sábado, março 18, 2023

A poesia como âncora.

Tenho lutado deveras com o critério editorial do ContraCultura. Hesito, complico, problematizo e, de uma maneira geral, exijo de mim mais do que aquilo que consigo oferecer. Isso não é necessariamente mau ou pelo contrário, mas seja como for não cesso de ficar impressionado com aquilo que ignoro sobre os interesses, os gostos e a sensibilidade das audiências. Por exemplo: o texto mais lido esta semana no Contra foi este (link na imagem):

É um poema minimal de sete curtos tercetos que circulam à volta de uma interrogação: promete o passado a utopia de que o futuro é incapaz?

E é giro observar como a ideia de publicar poemas no Contra, à qual na verdade cedi mais para alívio da carga operária do que por convicção editorial, acaba por ser bem sucedida.

Bem sei que o site tem muitas falências, mas devo também esclarecer que estou a trabalhar a solo e que tenho outra profissão; a que paga as contas. A ironia reside precisamente nisso: se me pudesse entregar exclusivamente à redacção dos conteúdos do ContraCultura, o perfil editorial da publicação não ia incluir os meus versos. Até porque os meus versos já estão, mais adequadamente, publicados no Blogville. Ainda assim, são essas rimas que triunfam fora da sua zona de conforto.

Assim sendo, do facto estatístico recolho uma lição que acho pertinaz para quem edita uma publicação dissidente e independente das lógicas mainstream: nunca desvalorizes a sensibilidade, a inteligência, o valor de quem te lê, de quem te ouve, de quem te atura. Ao invés, procura perceber o factor de transcendência sobre os teus preconceitos e, sobretudo, arrisca.

O que é que tens a perder, para além da pestana e da saúde vertebral ou oftalmológica? Nada que se compare à satisfação da vocação cumprida.

Até porque a generosidade editorial, implícita nesse risco e nessa exposição, há-de compensar. Não tem que ser agora. Pode até ser nunca, no trajecto material da existência. Mas quando morreres, sabes disto: deste de ti. E deste de ti sem contrapartidas, compromissos ou receios de protocolo. Acreditaste em ti e naquilo que consegues produzir. E é isso, em última análise e para além do mandato procriador, que tens que fazer enquanto Sapiens, humilde pedestre na curvatura deste magnífico e único planeta.

Afinal, a poesia serve de âncora. E o resto, é prosa.