Nas duas primeiras etapas, corridas no acidentado e belo País Basco, o pelotão parecia enfurecido pela febre que ataca os ciclistas em clássicas e monumentos, provas de um dia em que se dá tudo o que se tem nas cinco ou seis horas de competição, mas que não costuma infectar os concorrentes de grandes voltas, que duram 4 semanas e que são disputadas pelos melhores atletas do planeta e que integram etapas desenhadas por sádicos profissionais.
Depois de Pogacar, aqui e ali, ter conseguido ganhar uns magros 11 segundos a Vingeggard, naquele que seria previsivelmente o grande duelo para a vitória em Paris deste edição do Tour, as coisas hoje, na primeira etapa de alta montanha, com subidas ao Col du Soudet (15,2 kms a 7,2% de inclinação) e ao Col de Marie Blanque (7,7 kms a 8,6%) sofreram um terramoto na lógica.
Logo aos 30 ou 40 primeiros quilómetros da etapa, um bando louco de 36 malucos destacou-se do pelotão. O problema é que o australiano Jay Hindley, que foi só o vencedor do Giro de Itália em 2022, estava nessa ensandecida e populosa fuga, para além de um conjunto impressionante de outras estrelas do circuito internacional como Alaphilippe, van Aert,
Haig, Ciccone, Buchmann, Uran e Chavez. Logo que a fuga ganhou um minuto, e apesar do que faltava correr, que era quase tudo, toda a gente conseguia adivinhar que o vencedor da etapa sairia deste qualificadíssimo grupo de candidatos a super-homem.
Tanto mais que, lá atrás no pelotão, a única equipa a trabalhar era a UAE de Pogacar. Isto embora não se tenha percebido bem como é que a Jumbo, numa etapa com este grau de dificuldade, deixou Wout van Aert ir na fuga, só para fazer uma figura parva: o belga não está na forma que mostrou o ano passado e, esquecendo que tem um candidato à vitória na prova para proteger, Vingegaard, fartou-se de atacar na frente, para atingir resultado nenhum, a não ser ajudar a colocar Jai Hindley à frente do seu colega de equipa na classificação geral. Quando finalmente desistiu da fuga e desceu ao pelotão, van Aert não conseguiu trabalhar pela equipa por mais de um quilómetro ou dois.
Um momento na carreira de Wout van Aert, que é um grandessíssimo ciclista, para esquecer o mais rapidamente possível.
Ainda assim, a sorte protegeu os incompetentes, e o desgaste que a equipa de Pogacar sofreu ao perseguir a fuga durante horas intermináveis foi acusado no momento fundamental da última subida. A dois ou três quilómetros do fim, Vingegaard atacou para deixar Pogacar a falar sozinho, quebrado e exausto. O dinamarquês cortou o risco com um minuto e tal de avanço sobre o esloveno, numa demonstração de superioridade que dá que pensar em relação à capacidade de reacção de Pogacar para os próximos episódios épicos da competição. E um deles é já amanhã.
Jay Hindley, na primeira vez que está a correr a Volta à França, venceu a etapa e vestiu a camisola amarela, capitalizando neste momento 47 segundos de vantagem sobre Vingeggard, que é segundo, e um minuto e quarenta sobre Pogacar que é, surpreendentemente, apenas sexto na classificação geral.
Até aqui, está a acontecer tudo ao contrário do que era esperado. E do que aconteceu o ano passado.
Perfeito.