quarta-feira, julho 05, 2023

O Tour ao contrário.

Ao contrário do que costuma acontecer, os primeiros dias da edição deste ano do Tour de France não foram propriamente aborrecidas. Das cinco etapas cumpridas até agora, só a quarta foi um pouco menos intensa, embora os seus últimos 20 a 30 quilómetros, pejados de peripécias, pedalados a velocidades alucinantes e disputados como um combate de luta livre no Circo Romano, tenham valido bem a atenção que qualquer adepto de ciclismo lhes possa ter dedicado.

Nas duas primeiras etapas, corridas no acidentado e belo País Basco, o pelotão parecia enfurecido pela febre que ataca os ciclistas em clássicas e monumentos, provas de um dia em que se dá tudo o que se tem nas cinco ou seis horas de competição, mas que não costuma infectar os concorrentes de grandes voltas, que duram 4 semanas e que são disputadas pelos melhores atletas do planeta e que integram etapas desenhadas por sádicos profissionais.

Depois de Pogacar, aqui e ali, ter conseguido ganhar uns magros 11 segundos a Vingeggard, naquele que seria previsivelmente o grande duelo para a vitória em Paris deste edição do Tour, as coisas hoje, na primeira etapa de alta montanha, com subidas ao Col du Soudet (15,2 kms a 7,2% de inclinação) e ao Col de Marie Blanque (7,7 kms a 8,6%) sofreram um terramoto na lógica.

Logo aos 30 ou 40 primeiros quilómetros da etapa, um bando louco de 36 malucos destacou-se do pelotão. O problema é que o australiano Jay Hindley, que foi só o vencedor do Giro de Itália em 2022, estava nessa ensandecida e populosa fuga, para além de um conjunto impressionante de outras estrelas do circuito internacional como Alaphilippe, van Aert, Haig, Ciccone, Buchmann, Uran e Chavez. Logo que a fuga ganhou um minuto, e apesar do que faltava correr, que era quase tudo, toda a gente conseguia adivinhar que o vencedor da etapa sairia deste qualificadíssimo grupo de candidatos a super-homem.

Tanto mais que, lá atrás no pelotão, a única equipa a trabalhar era a UAE de Pogacar. Isto embora não se tenha percebido bem como é que a Jumbo, numa etapa com este grau de dificuldade, deixou Wout van Aert ir na fuga, só para fazer uma figura parva: o belga não está na forma que mostrou o ano passado e, esquecendo que tem um candidato à vitória na prova para proteger, Vingegaard, fartou-se de atacar na frente, para atingir resultado nenhum, a não ser ajudar a colocar Jai Hindley à frente do seu colega de equipa na classificação geral. Quando finalmente desistiu da fuga e desceu ao pelotão, van Aert não conseguiu trabalhar pela equipa por mais de um quilómetro ou dois.
 
Um momento na carreira de Wout van Aert, que é um grandessíssimo ciclista, para esquecer o mais rapidamente possível.

Ainda assim, a sorte protegeu os incompetentes, e o desgaste que a equipa de Pogacar sofreu ao perseguir a fuga durante horas intermináveis foi acusado no momento fundamental da última subida. A dois ou três quilómetros do fim, Vingegaard atacou para deixar Pogacar a falar sozinho, quebrado e exausto. O dinamarquês cortou o risco com um minuto e tal de avanço sobre o esloveno, numa demonstração de superioridade que dá que pensar em relação à capacidade de reacção de Pogacar para os próximos episódios épicos da competição. E um deles é já amanhã.

Jay Hindley, na primeira vez que está a correr a Volta à França, venceu a etapa e vestiu a camisola amarela, capitalizando neste momento 47 segundos de vantagem sobre Vingeggard, que é segundo, e um minuto e quarenta sobre Pogacar que é, surpreendentemente, apenas sexto na classificação geral.

Até aqui, está a acontecer tudo ao contrário do que era esperado. E do que aconteceu o ano passado

Perfeito.