segunda-feira, outubro 23, 2023

Sobre a retórica dos alhos e dos bugalhos.

Respeitando o princípio orwelliano da inversão semântica, os líderes políticos do Ocidente estão a adulterar a linguagem e o significado a um ritmo assustador, na direcção de um mundo sem coordenadas filológicas nem referências históricas.

A última tendência deste diabólico movimento retórico é a das comparações surrealistas e bombásticas, completamente desfasadas dos factos.

Neste vale tudo de analogias delirantes, qualquer pessoa que hesite no apoio a Israel é antisemita como Hitler. Qualquer dissidência à narrativa que nos é impingida sobre a guerra na Ucrânia é comparada à propaganda soviética. Qualquer tentativa de argumentar contra o aborto tardio é análoga aos mandatos da Santa Inquisição.

Nos EUA, a moda tem pegado como fogo na pólvora. O Secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken afirmou que o ataque do Hamas a Israel “é o equivalente a dez 11 de Setembro”, enquanto outros agentes do regime Biden justapõem o episódio terrorista ao holocausto e à explosão nuclear de Nagasaki.

O bárbaro ataque do Hamas (ninguém discute isso) terá causado cerca de 1.200 mortos, ao passo que cerca de 3.000 pessoas foram chacinadas a 11 de Setembro de 2001. A reacção americana à queda das Torres Gémeas causou mortandade incontável no Iraque, no Afeganistão, na Síria e no Líbano. Cerca de 60.000 a 80.000 civis foram pulverizados pelo bombardeamento de Nagasaki, sem contar com os que morreram posteriormente, vítimas dos efeitos colaterais da radiação e dos ferimentos resultantes da explosão nuclear.

Ninguém no seu perfeito juízo, ou ninguém bem intencionado, arrisca este paralelo, que é destituído de senso, insubstanciado pelos factos estatísticos e falido de razão moral.

O chefe da diplomacia americana é aliás um prolixo criador de relações fenomenológicas que não fazem qualquer sentido. No Verão, comparou a hipótese de uma guerra nuclear com a eventualidade de um alegado apocalipse climático, afirmando que as duas ameaças são compagináveis no seu nível destrutivo, conseguindo desvalorizar as consequências globalmente terminais de um conflito termonuclear e exponenciar a fraude da emergência climática numa só oração.

No entretanto, o FBI compara os eleitores de Trump com terroristas, e confunde o estado de direito com uma república das bananas. O departamento de Segurança Interna do regime Biden, por seu lado, está a classificar os cristãos como issurreccionistas neonazis.

Joe Biden, claro, dá o exemplo: o motim de 6 de Janeiro é equivalente à Guerra da Secessão, a facção populista do Partido republicano é mais perigosa e extremista que o Ku Klux Clan, e a organização terrorista islâmica que conhecemos por Hamas é completamente comparável ao governo de Vladimir Putin. São, na lógica abstrusa do demente senil, entidades eticamente similares.

Colar o governo da Federação russa e a guerra na Ucrânia ao Hamas e aos actos bárbaros de 7 de Outubro é de tal forma perverso que abre precedentes para uma multitude de analogias maniqueístas que a partir de agora todos temos legitimidade para propor: Que o Napalm despejado no Vietname, ou os tapetes de bombas em Dresden e nos Balcãs são equivalentes ao holocausto nazi; que o avanço da NATO no leste da Europa se assemelha à expansão alemã na mesma zona do globo no desenrolar da II Guerra Mundial; que o recente acto do Hamas em Israel é comparável à invasão da Baía dos Porcos, do Iraque e do Afeganistão. Que a guerra na Ucrânia se assemelha ao conflito que os EUA desencadearam no Panamá, ou às guerras civis que promoveram no Chile e em El Salvador. Entre 1913 e 1934, sucessivas administrações americanas ocuparam ou invadiram a Nicarágua, Vera cruz, o Haiti e a República Dominicana. Tudo operações terroristas. Aberta a caixa de Pandora, isto nunca mais acaba. Os Estados Unidos serão um país terrorista desde que se enfiaram na guerra Filipo-Americana em 1899. E o Alamo? Um triunfo das benévolas forças mexicanas sobre o fanatismo protestante, facínora e niilista, dos independentistas do Texas.

Por amor de Deus.

Mas não é só na América que o cu e as calças são embrulhados em comparações incomparáveis. Von der Leyen foi ao Japão relacionar a Rússia com o bombardeamento atómico de Hiroshima. Num insinuante delírio fantasista, a senhora pareceu sugerir que Moscovo foi de alguma forma responsável pelo cataclismo. E conseguiu fazê-lo sem fazer qualquer referência aos Estados Unidos. 

Em França, Macron também dá uma ajuda ao festival analógico, confundindo turbas de imigrantes que pilham incendeiam e destroem vastas áreas urbanas do país com crianças mal criadas. 

No Vaticano, o Papa, sempre pronto a contribuir para a retórica dos poderes instituídos, comparou  católicos com coelhos, numa mais que deselegante referência ao seu comportamento reprodutivo, comparou a religião de que é sumo-pontífice com todas as outras, para benefício destas, comparou a doença de Alzheimer com a infedilidade dos cardeais e, num apogeu de idiotia, comparou Ghengis Khan com Mahatma Ghandi.

Todo este arraial de disparates serve um propósito: a hipnose das massas, bombardeadas com falsidades à velocidade dos ciclos noticiosos até ficarem completamente destituídas de qualquer ligação com a realidade. Um novo método que as elites globalistas adoptaram para a prossecução dos seus objectivos totalitários.

Convém estar atento, permanecer fiel à realidade histórica e à verdade moral e recusar a fusão dos alhos com os bugalhos.