Já aqui muitas vezes escrevi: Dificilmente os poderes instituídos em Washington irão permitir que Donald Trump volte à Casa Branca, independentemente da verdade dos resultados eleitorais e seja por que meios for. Mas mesmo que tal fenómeno fosse possível, o candidato republicano teria um mandato de impossível resolução para cumprir, quando no fim de Janeiro de 2025, tomasse posse do poder executivo dos EUA.
Ou seja, aqueles que estão na expectativa religiosa de que o magnata de Queens suba ao poder para ‘salvar’ o Ocidente, vão ter uns anos de desilusão à sua frente, na remota possibilidade desse vão sonho se concretizar.
Vale a pena explicar a natureza deste cepticismo.
Em primeiro lugar, há que dizer o óbvio: Trump não é um populista. Na verdade, o homem nem sequer é um conservador. É um bilionário liberal de Nova Iorque, com um forte sentido nacionalista. Se está desde 2016 à frente do movimento populista norte-americano é apenas porque os liberais se deslocaram no espaço de 20 anos para um espectro esquizofrénico que oscila entre o globalismo e o leninismo, enquanto ele permaneceu fiel aos valores que sempre defendeu; e porque os republicanos abdicaram completamente dos princípios da representação e do estado magro e servo dos cidadãos que estão por trás da Revolução Americana e da sua Constituição.
Trump é pró-aborto, favorece a imigração legal (e nesse sentido, a substituição demográfica da maioria branca) e tem uma abordagem pragmática e ecuménica em relação à religião: É um cristão cauteloso e tímido, que invoca a sua fé apenas para fechar discursos com um toque de transcendência ou legitimar a grandeza da América. Deus, para Donald Trump, resume-se a uma entidade abstracta, espécie de musa que inspirou os Pais Fundadores e deu ao dólar o seu famoso slogan, accionista de uma santíssima trindade na qual figuram em paridade teológica Jesus Cristo e o Tio Sam.
Desagradam-lhe os extremismos woke, é verdade, mas não tanto do ponto de vista ideológico ou cultural como da perspectiva geracional (o homem nasceu em 1946). No que respeita à liberdade de expressão, o ex-presidente não é de todo um absolutista, reservando, por exemplo, excepções à Primeira Emenda para a queima de bandeiras ou o controlo e vigilância do discurso público em função da segurança interna.
Trump defende o capitalismo corporativo, através do qual fez fortuna, e tem uma ideia dos mercados, da economia e da política monetária que é muito parecida com os gestores de fundos de Wall Street ou os tecnocratas da Reserva Federal.
Acresce – e nunca será demais sublinhar o facto – que o ex-presidente ainda hoje se mostra orgulhoso do seu genocida programa de vacinação contra a Covid.
Na política externa, o candidato republicano está alinhado com os interesses sionistas, como 90% dos políticos em Washington; terá sempre alguma alegria de gatilho quando é o Irão que está na mira, e nunca será capaz de tratar Vladimir Putin como um par, porque aconteça o que acontecer e mesmo que entretanto o matem, o homem vai morrer a achar que os Estados Unidos são a maior nação que alguma vez foi inventada na História Universal (convenhamos, não se trata propriamente de um intelectual).
No que diz respeito à sua personalidade, e reconhecendo a coragem, o voluntarismo, a generosidade e os bons instintos políticos que sem dúvida tem manifestado até aqui, Donald Trump tem fragilidades que têm sido exploradas pelos seus inimigos tanto como pelos seus ‘amigos’. É vaidoso e facilmente seduzido pela lisonja. Tem dificuldade em assumir erros próprios e, alimentando uma visão simplista do mundo, pensa que ser Presidente dos Estados Unidos é ser líder do “mundo livre”. Acontece que esse “mundo livre” já não é livre e que esses Estados Unidos são ainda capazes apenas de liderar um estrito bloco de tiranias, mas pela dimensão militar do que por outro factor qualquer.
E, por fim, há que considerar que Trump tem 78 anos. Terminará o mandato com 82. O peso da idade irá sem dúvida interferir na sua energia, lucidez e capacidade de manobrar no campo minado de Washington e nos intrincados e hostis palcos internacionais. Vai depender muito das pessoas que escolher para sua assessoria. E sabemos, pelo mandato presidencial que já cumpriu, que o recrutamento adequado de quadros políticos não é de todo um dos seus pontos fortes.
Mas para além dos factores endógenos, Donald Trump vai herdar do regime Biden um mundo pré-apocalíptico. Tanto na Ucrânia como no Médio Oriente, os senhores da Guerra em Washington e os regimes de Kiev e Tel Aviv tudo farão para intensificar os conflitos em curso, de forma a reduzir a sua margem de manobra. É até muito possível que, antes de tomar posse, o mundo esteja já embrenhado na Terceira Guerra Mundial. É até muito possível que a escalada de tensões entre o irão e Israel desencadeie uma devastadora crise económica, se as duas partes começarem, como tudo parece indicar, a bombardear campos petrolíferos por todo o Médio Oriente.
Trump é claramente um homem que favorece a paz, mas vai ser muito difícil fazê-la.
E mesmo que estes piores cenários não se concretizem, o candidato republicano vai ter que enfrentar o desfalecimento do dólar, a perda de protagonismo da federação americana no xadrez global, uma dívida soberana que é neste momento incontrolável e um ambiente económico de pré-recessão. Vai ter que enfrentar as elites globalistas na Europa, que o desprezam, e os apparatchiks do aparelho federal norte-americano, que o odeiam de morte. Vai ter que enfrentar os altos quadros do Pentágono, que o têm como inimigo, e a imprensa corporativa que por esta altura reza por um atirador de pontaria mais afinada que Thomas Mathew Crooks. Vai ter que enfrentar uma aliança entre russos e chineses, que a desastrada política externa dos EUA provocou e tem vindo a cristalizar.
Vai ter que batalhar, enfim, a interminável cambada de sicofantas, criminosos profissionais e fariseus que habita o Capitólio, seja qual for o equilíbrio de forças nas duas câmaras que resultar das eleições de Novembro.
São trabalhos hercúleos. E se a possibilidade da sua eleição é remota, mais improvável na estatística final fica o bom sucesso desse eventual mandato, ao incluirmos todas estas variáveis.
Donald Trump não vai salvar o Ocidente. Poderá constituir, no máximo dos máximos e esticando a corda das probabilidades, um princípio de redenção, uma referência para o regresso à sanidade, se, por ventura, for capaz de resolver os quatro anos de poder de tal forma que deixe o mundo um pouco menos volátil do que o encontrou, e JD Vance em condições de ser eleito, num jogo dinástico que liberte factualmente alguma esperança.
Mas é realmente uma aposta de risco, acreditar que assim será. Até porque o Ocidente está de tal forma condenado que não pode ser salvo por um indivíduo e muito menos por um político. Essa tarefa, na verdade, cabe a cada um de nós.