
Até porque, se é verdade que a radicalização do discurso político começou à esquerda, é hoje claro que a direita optou também pela virulência retórica.
A diferença é que os radicais de esquerda parecem agora mais propensos ao morticínio do que os radicais de direita, mas isso pode mudar com rapidez tempestuosa. Convém lembrar que a América já foi vitimizada pelo extremismo de direita, também, recorrentemente, num passado não muito distante.
Correspondendo aos apelos lunáticos das elites, as massas parecem ter respondido em consonância. Esfaqueia-se uma rapariga porque é branca. Matam-se crianças por serem católicas. Assassinam-se opositores políticos porque sim. Rebentam-se com as vidas pelos mais espúrios motivos, e porque não?
Afinal, tudo pode acontecer, num mundo sem Deus.
E é até mais provável que aconteça num país onde os criminosos são protegidos pelos procuradores, onde os tribunais operam em função de agendas políticas, onde as agências de segurança trabalham activamente para proteger as elites do inquérito da cidadania, onde as elites, livres desse inquérito, praticam todo o tipo de abominações morais e materiais, onde os serviços secretos funcionam como uma quinta coluna, à revelia de qualquer controlo político ou dos mandatos eleitorais, onde a lei e a ordem é um chavão datado e a Constituição não mais que um velho papiro para turista ver.
O recorrente argumento da violência é também característico de sociedades de tal forma polarizadas que se tornam irredimíveis e fatalmente desagregadas. Quem é que, nesta altura do campeonato, acredita realmente que os Estados Unidos da América têm viabilidade como uma federação coesa em termos ideológicos e sociais ou que constituem uma nação com valores fundamentais partilhados pela grande maioria dos seus cidadãos?
O que não faltou nos últimos dias foi gente a celebrar, na imprensa corporativa como nas redes sociais, a morte de Charlie Kirk. Enquanto uns americanos sofrem o luto, outros americanos experimentam o júbilo. Isto não tem maneira de ser compaginável.
Entre as faixas litorais, densamente habitadas por neo-liberais ateus, e o interior ferozmente conservador e cristão, que pontes podem ser, agora ou no futuro imediato, estendidas?
Zero. Os americanos odeiam-se loucamente, uns aos outros. O primeiro inimigo da América é a América e a América não é apenas um império em queda acelerada.
É uma federação em morte lenta.