Como já afirmei aqui no blog, recebo muitos emails de leitores do Contra e tento, com constância, responder àqueles que, concordando ou não com o espírito da publicação e dos seus conteúdos, se deram ao trabalho de me contactar, desde que as mensagens seja minimamente civilizadas.
As que não são, não merecem resposta.
No entretanto, o Contra tem sofrido uma muito perceptível alteração no perfil do seu público. À medida que a publicação se tem mostrado irredutivelmente independente e desalinhada na sua análise da realidade política, perdemos muitos leitores de direita, principalmente aqueles que teimam em cegar perante a clara traição de Donald Trump relativamente ao seu mandato eleitoral, bem como outros que conseguem, apesar de todas as evidências, defender as diabólicas acções do regime de Netanyhau e a nefasta e desproporcional influência dos interesses sionistas no Ocidente.
Com a deserção destes neoconservadores porém, temos ganho outros leitores, que eu classifico como alinhados com a esquerda clássica (ou seja, uma esquerda não liberal, não woke e não russofóbica), bem como enquadrados na esquerda de convicção populista, que percebe que os socialismos contemporâneos não defendem os interesses das massas e reconhece a crise de representação de que padece o Ocidente.
Recentemente, recebi várias mensagens carregadas de cortesia de um leitor do Contra que faz parte do espectro que classifico como esquerda clássica, e que não vou identificar por consideração com a sua privacidade. Na conversa que tivemos, há um excerto que escrevi que, inadvertidamente, localiza com precisão a geografia ideológica actual do ContraCultura e que faz sentido publicar aqui no blog.
O texto, que não está muito bem construído, porque foi redigido assim de repelão e eu não quero estar agora a editar as palavras que no momento dirigi ao gentil leitor, tem até um carácter muito pessoal, e veio a propósito dele me ter advertido de que era de esquerda, apesar de seguir o Contra, protestando, de forma muito simpática e subtil, que os colunistas da publicação eram quase todos de direita.
Eu respondo assim:
Na minha opinião, que vale o que vale ou quase nada, o debate político que se centra entre esquerda e direita é, neste momento da história, completamente anacrónico.
Hoje trava-se um combate pela dignidade humana que se plasma, talvez ironicamente, numa luta de classes, entre as elites e as massas.
Eu venho da direita clássica, liberal do século XX (ninguém é perfeito), mas já não me identifico nada com esses valores ideológicos.
Muitos dos colunistas do Contra são ainda dessa direita, admito, mas apenas porque não consigo encontrar à esquerda, também ironicamente, quem esteja disposto a essa guerra de classes que menciono, e que é acima de tudo de carácter ético, e a ética vem primeiro que a política.
Na esquerda, só encontro as preocupações da moda com o género e a raça e a culpa do homem branco, e que defende o estranho princípio de que as fronteiras não têm utilidade nem valor (a não ser as fronteiras ucranianas, claro está). Eu, lamento, mas sou um homem branco completamente livre de culpa, que acredita que as fronteiras fazem todo o sentido (por razões óbvias, que a história explica), fui ensinado a respeitar e acarinhar as mulheres e fui criado com um negrinha lá em casa que a minha mãe adoptou e que sempre foi, para todos os efeitos, minha irmã.
O ContraCultura não tem nada contra a esquerda clássica, que defendia o trabalho, o trabalhador, a dignidade humana, a liberdade de expressão, e lutava afincadamente contra pelo menos algumas tiranias (embora sempre se tenha mostrado algo reticente em relação a outras tiranias).
Mas agora não vejo quem defenda o homem de colarinho azul, que foi completamente abandonado em favor do imigrante e do transexual. Não percebo. Se há quinze anos atrás perguntássemos ao Bernie Sanders, ou ao Carlos Carvalhas, ou até ao Jerónimo de Sousa, se concordava com políticas de imigração de porta aberta, eles com certeza que discordariam, porque, como marxistas, sabiam bem o efeito que isso ia ter nos rendimentos das classes mais baixas nativas, que seriam as primeiras a ser martirizadas com a concorrência no mercado de trabalho. Nessa altura, qualquer marxista diria - e bem - que a imigração descontrolada só favorece o grande capital.
Acontece que eu não preciso de paquistaneses que me tragam comida rápida à porta. Preciso porém de uma sociedade funcional, constituída por pessoas que falem a mesma língua, que partilhem a mesma cultura, e que acreditem num mesmo conjunto de princípios fundamentais.
Mas a esquerda contemporânea não quer saber disto para nada, anda de mão dada com as elites e as grandes corporações (vivemos no Ocidente em geral e em Portugal em particular, um regresso do Estado corporativo, já reparou?) e é por isso que de repente os eleitores do partido comunista, começaram a votar, pasme-se, no Chega (nota: não sou eleitor do Chega).
E repare: a minha mulher vota CDU. O meu sogro, que eu deveras considero e estimo, foi um combatente anti-fascista. Com ele passei tardes inumeráveis e inextinguíveis a "discutir política" como se dizia na altura. As conversas faziam sentido. Eu, na minha inocência, defendia o empresário, que cria empregos e riqueza, e a livre iniciativa, que protege o individuo do jugo institucional. O meu sogro, na sua sabedoria, defendia os que são atropelados pelos empresários e pela criação de riqueza e uma abordagem mais centralizada. Esse debate equilibrava a sociedade e levava-a no sentido da prosperidade - e da liberdade, sem prejuízo dos direitos dos indivíduos ao emprego, à dignidade e à perseguição dos seus destinos e ambições.
Agora, essa conversa já está datada. Agora lutamos pela sobrevivência da humanidade contra globalistas transhumanistas que leram Orwell e Huxley não como advertências, mas como manuais de normas, e que odeiam de coração tudo o que é essencial no ser humano.
Isto não se manifesta num confronto entre a esquerda e a direita. Mas na luta, afinal infindável na história universal, entre o bem e o mal.
E isto tudo para concluir: o ContraCultura, não é de esquerda nem de direita. É pelo direito do cidadão a ser representado, já que é abusivamente tributado. É pela sagração da vida humana. É pela liberdade de dizer isto ou aquilo e ser deixado em paz com essas opiniões. É pelo legado de uma civilização que foi extinta sem referendo: a do Ocidente cristão (não confundir com judaico-cristão).
É isto. E isto podia funcionar como um actualizado manifesto do Contra, porque cristaliza muito do que são as minhas convicções do tempo presente, se estivesse um bocadinho melhor escrito e não fosse tão intimista. E se eu não gostasse tanto do manifesto que escrevi à quase quatro anos atrás :P