O gato Álvaro é feliz
Em Fornalhas Velhas como Midas
nas Minas de S. Domingos
Debaixo da nespereira
O álvaro decifra
Os mistérios do cosmos
Não há como um animal de cidade
Para apreciar os prazeres
Do campo
Até o Café do Cigarrinhoo
Obedece às leis
De mercado
Quanto mais gosto de escrever haikus
Piores são
Eles
O silêncio é de tal forma eloquente
Que até as rolas
Se calam
Há um cão dissidente
Que protesta, lá para os lados
De Beja
O haiku tem a vantagem
De ser
Caligrafado
Primavera -
O Alentejo quer ser
Suíça
O Álvaro foge do local do crime
Com peso
Na consciência
Escrevo como os antigos -
À luz das velas
E da Via Láctea
Não saem haikus eternos
Mas a tinta
Não se queixa
Lua Nova
A estrada é tão escura
Que até a cadela recua
Gosto de Fornalhas
Como o fogo
De acendalhas
Fornalhas Velhas -
Um parentesis nos males
do mundo
Pátio dos 8 -
Onde a cosmologia vai
Para fazer sentido
Em Fornalhas Velhas percebes
Porque Kant só saiu de Königsberg
Duas vezes
Mal criado -
Não domino os códigos sociais
Da província
A guitarra portuguesa
É um instrumento
De transcendência
Estás a ouvir os lamentos
Que Cristo deixou
No éter
Ser português tem piada
Por causa da conversa que temos
Com Deus
Somos por Ele
Na mesma medida amados e
Condenados
Como Cristão
Tenho simpatia
Por Pôncio Pilatos
A cigarra calou-se
só os meus velhos tímpanos
Zumbem
Simbiose -
Uma bicicleta e o
Tadej Pogacar
O Tadej pedala
Como se fosse salvar a mãe
Do inferno
O ciclismo divide-se em
Antes e depois de
Pogacar
Gato de apartamento
Tem insónias
No pátio
Deus poupou-me à prostituição -
Para um publicitário
Não é dizer pouco
Fui até poupado à guerra -
Para um europeu
Será excepção
Não sofri de fome
Ao contrário de boa parte dos
que já viveram
Sou grato pela vida
Remediada e aborrecida
Que Deus me deu
É difícil
Ser ateu
Em Fornalhas Velhas
No Pátio dos 8
Esqueces que és
Da Babilónia
A nespereira
É uma cidade
De pássaros
Estou a ficar
Afónico de tantos
Versos
Um recorde -
Já estou há 36 horas
Sem bater no teclado
A Vodafone
Desligou-me -
Livre enfim
Uma coisa é apetecer-te versos
Outra é escreveres
50 haikus