segunda-feira, setembro 17, 2018

Entre o medo e a esperança: contributos para a problemática da Inteligência Artificial.

Nos dias que correm danados, quando o assunto em questão é a Inteligência Artificial, a pergunta que ouvimos mais vezes já não é se vamos ter máquinas mais inteligentes do que nós. Vamos tê-las de certeza. A pergunta que surge mais frequente é se isso pode acabar com a raça humana ou levá-la a novos patamares de evolução.

Deixo aqui as opiniões válidas, bem formadas, bem informadas e competentemente argumentadas de Sam Harris, um dos gurus da Intellectual Dark Web, que defende a razão pessimista com um tom talvez excessivamente apocalítico, e de Max Tegmark, o brilhante cosmólogo do MIT, que opta por um registo que oscila perigosamente entre o optimismo e a ingenuidade.

A Inteligência Artificial vai acabar com a humanidade, segundo Sam Harris:


A Inteligência Artificial vai exponenciar a humanidade, segundo Max Tegmark:


Eis um assunto difícil e complexo como o diabo. Mas há na cabine telefónica desta conversa dois elefantes magenta que Sam Harris, tipicamente, e Max Tegmark, estranhamente, não conseguem identificar nas suas breves Ted Talks (se calhar precisamente por serem breves).

O primeiro elefante é a questão da consciência. Acho estranho que Tegmark não integre a consciência no seu discurso, porque ele é precisamente um dos cientistas contemporâneos que está a trazer a consciência para o âmbito da Matemática. Acho típico que Sam Harris não fale neste assunto porque é um ateu tão radical que nem deve gostar muito da palavra consciência. Mas seja como for, esta é uma das pedras de toque quando toca a música das máquinas divinas.

É que o que está aqui em jogo é o processo inverso do Genesis. No Antigo Testamento, é Deus que cria o Homem. No Século XXI será o Homem que cria Deus. Porque uma máquina com capacidades de processamento próprias do chip quântico, se for programada para aprender e se for ligada à Internet pode rapidamente tornar-se omni-presente, omni-potente: divina. Acontece que o Deus do Antigo Testamento não é de todo a mais simpática das figuras literárias, muito pelo contrário (perguntem a Job). Não queremos criar uma máquina que proceda como esse Deus. Mas também não queremos criar um máquina destituída de leis morais, que funcione da forma mais eficiente possível, porque um computador quântico pode muito bem acreditar que a forma mais eficiente possível de lidar com a humanidade seja aniquilá-la.

A esta máquina tem assim que ser oferecido um motor consciente. A capacidade de distinguir entre o bem e o mal. A capacidade de encontrar um equilíbrio entre a ordem e o caos, a eficiência e a decência, o moralmente certo e o moralmente errado.

O problema é que a referência moral é a humana. Não é a da máquina. Porém, é aqui mesmo que entra a outra omissão elefantina nos argumentos das duas estrelas TED: muito provavelmente, os sistemas de inteligência artificial da segunda metade do Século XXI serão integrados na realidade biológica do ser humano. Máquina e Homem, Deus e Criado - ou Deus e Criador - serão o mesmo ente: o Sapiens 2.0, verdadeiro ex-machina, finalmente disponível num futuro próximo de ti, jovem leitor. Assim, a máquina não precisaria de uma consciência de si própria, porque seria escrava da consciência do seu portador humano.

Não, não estou a ser optimista. Ao suspeitar que a integração da Inteligência Artificial no corpo do homem será bastante provável a médio prazo não quero concluir um final feliz. Enquanto o homem for homem, enquanto Deus for Deus, não há finais felizes. Mas, como acontece tantas vezes na Futurologia, como acontece tantas vezes na História, é difícil fazer as contas no presente do indicativo.

Sendo certo que a tecnologia não vai parar de evoluir (até porque é um produto humano), podemos acreditar com sensatez que dentro de 20 a 40 anos teremos ao nosso dispor sistemas computacionais ontologicamente mais competentes do que nós. Mas a tendência será também a de integrar esses sistemas na rede neural humana. É isso que temos feito até aqui, na verdade. O que é um smartphone senão um complemento orgânico, um attach ao sistema nervoso da relação que o Sapiens tem com o mundo?

A ideia da máquina malevolente de olho vermelho, de Arthur C. Clark e Stanley Kubrick, é literária e cinematograficamente fabulosa. Mas não me parece que o futuro do homem seja assaltado por este género de sistemas operativos da era analógica. Até porque, neste contexto, as leis de Asimov continuam a ser válidas, desde que programadas como mandamentos:

[ 1 ] A robot may not injure a human being, or, through inaction, allow a human being to come to harm.
[ 2 ] A robot must obey orders given it by human beings except where such orders conflict with the First Law.
[ 3 ] A robot must protect its own existence as long as such protection does not conflict with the First or Second Law. 


Seja como for, prossigamos com ambição, porque a inteligência artificial pode de facto transportar a condição humana para um outro patamar ontológico; e com cautela, porque sabemos o suficiente de história, de ciência (e de literatura), para não confiar cegamente num futuro risonho.