quinta-feira, julho 29, 2004
A febre Scalex Tric: partida para a glória.
Lembro-me de mim adolescente petulante que lia Aldous Huxley entre duas corridas do campeonato de Fórmula 1 em carrinhos da Lego. Lembro-me de mim muito aflito quando a namorada entrava pelo quarto a dentro (nesses tempos, a minha casa oferecia a privacidade de um café central) e me encontrava empurrando carrinhos de um lado para o outro, repetidamente, concentradamente, até decidir, na última volta, quem venceria: Alain Prost ou Alan Jones. Lembro-me das ameaças do género: ou brincas ou namoras. Lembro-me de, a mais das vezes, preferir o ActionMan ou as profecias do Huxley. Lembro-me de desenhar, muito à pressa, o logotipo dos MotorHead na parede (as paredes do meu quarto eram aguarelas da puberdade), mesmo a tempo de terminar a batalha de Inglaterra com os kits da Revell, muito mal montados. Lembro-me desses stukas, desses spitfires e desses Messerschmitt como se fosse hoje que mergulhassem em ataque terminal pelos céus do escritório. Lembro-me de sair mais cedo das matinés dançantes no Rock Rendez-Vous e no Acapulco para ir brincar às escondidas com os Matchbox e os Corgytoys. Lembro-me de pensar com triste lucidez que já não tinha idade para inventar patifarias dignas de Butch Cassidy, para simular o palco sonoro dos disparos de Lone Ranger ou do relinchar de Silver, o seu nobre cavalo branco. Lembro-me de olhar para a minha pista (um oito miserável, mas com contador de voltas e tudo) e como quem arruma os brinquedos para nunca mais brincar, concluir com desesperada clarividência que já não tinha infância para construir, todas as tardes, um admirável mundo novo. (cont.)