quarta-feira, janeiro 05, 2005

Pássaros, vilões e heróis.

I - É simultaneamente muito triste e extremamente divertido ouvir o chilrear com que as miseráveis aves canoras do regime poluem o sagrado silêncio dos portugueses. Se, na circunstância, a cantoria se dirige aos eleitores, há vozinhas doces e ternuras, namoros e promessas, sedução de arrastar a asa e olhos bonitos. Nem sequer se trata de linguagem: as palavras são deliciosas bolas de berlim, acabadinhas de sair da fritura.
Mas se a cantiga tem os contribuintes como destinatários, o tom muda para o registo da reprimenda e os termos transformam-se rapidamente em bicadas bem afiadas; há ameaças veladas e execuções fiscais, há insultos em forma de recomendações, prisão implícita e hostilidade iminente.
Mas a alpista só azeda de todo em todo quando os ditos pinguins disparam a sua retórica de larápios na direcção dos condutores. Neste caso, o pirilipipi passa a acusação de procuradoria. Palra-se afinal para criminosos e é necessária toda a violência verbal que um piriquito pode reunir em duas ou três máximas para consumo mediático.
Ora, é preciso ser-se realmente uma aveztruz desavergonhada, um melro descarado, um autêntico corvo indecente para fingir que se ignora o simples facto de que os eleitores também conduzem, os condutores também contribuem e os contribuintes também elegem. É preciso ser um canário de má raça para esquecer que, quando se abre o bico para mentir ao eleitor e se altera a ênfase para ameaçar o contribuinte, se está a incomodar exactamente a mesma pessoa.

II - É por estas (e por outras tantas que até seria maçador enumerá-las) que sou completamente contra a invasão electrónica das minhas contas bancárias pelos bandidos do fisco. A não ser que, sempre que o Estado me deva dinheiro, eu também possa ir directamente pela net a uma conta pública, retirar com celeridade e destreza a quantiazinha que me cabe.
Começo a ficar farto de ser espoliado pelo Estado. Começo a ficar farto de ser enganado pelo Estado. Começo a ficar farto do Estado que tenho.

III - Cavaco Silva deu-me hoje uma alegria grande. O Pedrocas da incubadora queria aparecer em 8x3 ao lado dele e de outros figurões do PSD, para tentar convencer os portugueses de que é um deles (a pretensão é de cair para o lado), mas, desgraçadamente para o infante da triste figura, o Professor disse que muito obrigado pela honra dúbia mas nem pensar em utilizar a minha imagem (e, já agora, a memória de Sá Carneiro) para vender maçãs podres. Não, não e não, já disse!
Cavaco Silva é neste momento - e muito mais que o titubeante Presidente da República - o único português capaz de presentear o nosso inconcebível e inqualificável primeiro ministro com a crueldade que ele merece.

IV - A propósito de termos o que merecemos: Pôncio Monteiro.

V - A despropósito da palhaçada geral e a propósito da tragédia da vida: João Amaral. Um homem grande, num mundo pequeno.