quarta-feira, março 22, 2006
O que é bom também chateia.
Munique é um pedaço de cinema bastante razoável, mas enerva. Spielberg enche-se de remorsos e pergunta-nos sobre as virtudes da vingança. Desgraçadamente, não nos deixa pensar para responder: antecipa-se e fornece a tese lamechas de cineasta lamechas que sempre foi, em boa verdade. No entretanto, esquece-se de atribuir o inevitável relevo a partes importantes da história, que não lhe servem ao humanismo de pacotilha. Esquece-se de esclarecer, por exemplo, o deplorável papel que os alemães tiveram neste deplorável caso, optando pura e simplesmente por deixar morrer os reféns e por deitar rapidamente à liberdade os assassinos que sobreviveram (ainda foram uns quantos). Esquece-se de fazer brilhar o amadorismo terrível com que foram efectuadas as duas tentativas de resgate dos reféns. E esquece-se que a diferença grande está no facto do seu personagem se oferecer ao dilema moral, enquanto os homens que tenta desesperada e desastradamente assassinar são incapazes do exercício da dúvida metódica (também é verdade que Descartes não é árabe). Não lhes importa para nada essa coisa de ter uma consciência moral, muito porque a consciência religiosa que têm é suficiente carburante da volição e apreciavelmente curta de dialécticas. Dito com simplicidade: era impossível a Spielberg fazer este filme se o herói fosse palestiniano. Isso porém não o impede de deixar o seu herói judeu ficar mal na fotografia - triste figura de espião arrependido, alma penada já sem pátria nem ideia de deus, que não percebe o real significado dos seus actos. É por isso que esta fita, sendo até de primor técnico e inventivo, chateia um bocado.