quarta-feira, abril 19, 2006
A Quarta Cruzada.
«Estamos prontos a atacar alvos sensíveis norte-americanos e britânicos»
Mahmoud Ahmadinejad
Enquanto estou embrenhado na deliciosa leitura de GUERREIROS DE DEUS - RICARDO CORAÇÃO DE LEÃO E SALADINO de James Reston Jr. - obra em que, desde já vos digo, Saladino surge como um santo e Ricardo como um facínora - este animal que dá pelo nome literalmente indizível de Mahmoud Ahmadinejad ameaça o mundo livre com brutalidade atómica e niilismo de algibeira. A incompetência americana e a cobardia europeia dão nisto: o Irão anuncia-se solenemente como uma potência nuclear e os seus caciques discursam com a hostilidade de quem se prepara para a guerra; dizem do holocausto o que nem certos amigos meus de uma certa direita que não é a minha seriam capazes de segredar em blog; disparam impropérios à Hugo Chavez; rebolam-se alarvemente na sua infâmia e a malta aqui deste lado reúne-se na ONU, de bracinho cruzado, forçando-se a uma ou outra mais aborrecida conferência de imprensa, momento em que (muito a contra gosto) lá se proferem umas acusações de papelaria, como se afinal não fosse nada assim tão de especial; por todos os deuses da diplomacia civilizada (que é como que diz: francesa), não vamos agora perder a temperança por causa destes bárbaros que não sabem o que fazem, quanto mais saber fazer algo parecido com uma pistola nuclear. É assim, caríssimas damas, que se desloca para secundaríssimo plano o ex-mau da fita, Bin Laden. É desta precisa e descarada maneira-afronta, distintos cavalheiros, que se reduz a cinzas o sacrossanto império do Ocidente.
Acho que já é a segunda vez que faço isto neste blog, mas insisto com a certeza de quem-sabe-que-tem-que-ir-à-casa-de-banho: a 26 de Novembro de 2003 - quando ElBaradei ainda convencia meio mundo de uma das maiores falácias da história da diplomacia contemporânea* - escrevi o que se segue, no extinto Ocidental Praia.
É SÓ MAIS UM PARQUE INFANTIL.
Mohamed ElBaradei e a sua hilariante Agência Internacional da Energia Atómica ainda acreditam que as instalações nucleares iranianas estão a ser desenvolvidas com um fim pacífico. A ingenuidade ou cumplicidade deste senhor não tem paralelo: O Irão, riqíssimo em petróleo e em carvão, não precisa de criar formas subsidiárias e comparativamente dispendiosas para acender a luz e é evidente que o regime iraniano - um dos mais perigosos, ferozes, fanáticos e totalitários do mapa político - pretende aumentar a pressão nuclear sobre o Médio Oriente. Quando em boa hora os americanos não tiverem outro remédio que o de entrarem por ali a dentro e partirem aquilo tudo, os marretas do Conselho de Segurança das Nações Unidas, que inacreditavemente se recusam a condenar a política nuclear dos ayhatolas, vão ficar muito surpreendidos e de pronto votar não sei quantas resoluções em favor da paz mundial e contra a arrogância da Administração Bush. Citando Pessoa: Ora bolas para a gente ter que aturar isto!
Escusado será dizer que, caso a administração Bush tivesse um pinguinho de talento estratégico, esta pequena profecia teria sido concretizada em tempo recorde. Assim, como estamos, é difícil entrar pelo Irão a dentro e partir aquilo tudo. Mas é pena. Porque o senhor Ahmadinejad, que não é nenhum Saladino, está-se mesmo a pôr a jeito. E porque o mundo árabe - cuja fé sempre triunfou pela espada - está mesmo a pedir uma cruzada a sério. Como a primeira.
Nota de rodapé: James Reston Jr., que é um verdadeiro herói americano, espécie de Indiana Jones da Academia historicista americana, escreve um belo e competentíssimo manual de propaganda árabe, reduzindo os cruzados a bárbaros e os seus motivos às mais baixas volições da ordem da política instrumental. Quem é que imagina ser possível a um académico árabe, exercendo ciência no seu país, interpretar a terceira cruzada de forma oposta? É bem fixe, a liberdade, não é? Agora a pergunta difícil: é assim tão fixe que valha a pena morrer por ela?
* Comparativamente, o Caso do Misterioso Desaparecimento das Armas Iraquianas de Destruição Maciça perderia todo o interesse, até para Erle Stanley Gardner.