"O Coronel Sanders cruzou os braços e fitou Hoshino nos olhos.
- Quem é Deus?
A questão obrigou Hoshino a pensar. O Coronel Sanders não lhe deu tréguas.
- Sim, qual é o aspecto Dele? O que é que ele faz?
- Não me pergunte a mim. Deus é Deus. Está em toda a parte, vê tudo o que fazemos, distingue o bem do mal.
- Mais parece um árbitro de futebol.
- Sim, não anda longe disso.
- Isso quer dizer que Deus usa calções, corre de apito na boca e sempre de olho no relógio?
- O senhor sabe bem que não é isso que quero dizer - Replicou Hoshino.
- E os deuses japoneses são da família dos deuses estrangeiros? Ou serão antes inimigos?
- Como é que eu hei-de saber?
- Escuta uma coisa que te vou dizer, meu caro Hoshino. Deus só existe na cabeça das pessoas. Aqui no Japão, o conceito de Deus sempre foi entendido de uma maneira aberta. Vê só o que aconteceu a seguir à guerra. Douglas McArthur ordenou ao divino imperador que deixasse de ser Deus, e ele obedeceu, fazendo um discurso em que se dizia um homem vulgar, igual aos outros. E foi assim que, depois de 1946, ele deixou de ser Deus. São assim os deuses japoneses - adaptam-se e ajustam-se à realidade. Aparece um militar americano qualquer pendurado num cachimbo barato, altera a ordem e pronto, muda tudo - não há Deus para ninguém. Uma atitude muito pós-moderna. Quando dá jeito que Deus esteja aqui, Ele está. Quando não dá, Ele deixa de estar. Se é isso que é ser Deus, vou ali e já venho."
HARUKI MURAKAMI
-KAFKA À BEIRA-MAR-