sábado, setembro 02, 2006

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O Anacleto, mais conhecido pelo Gadelhas, é um típico produto da sobrevivência de solavanco; homem movido por acasos e azares de má fortuna, nú de ambições, sem horizontes nem perspectivas nem luzes no fim do túnel. Um amigão de infância e da Escola 6 do bom professor Carrilho, que distribuía generosamente sandes de atum pelos olheirentos famintos da 3ª classe, pelos descalços de fundilhos fanados, de olhos esbugalhados de medo de tudo e de nada, coxos de frieiras gretadas e nódoas roxas por tudo o que era orelha.
Fizemos juntos a instrução primária. Sabíamos a tabuada na ponta da língua, discutíamos, hesitantes, as horrorosas coisas da gramática e a impenetrável questão dos quebrados, mas rompemos, afinal, triunfantemente, os odiosos portões da escola, ofendidos e humilhados pelo duro percurso de uma instrução ganha frequentemente de mão estendida à pesada régua do castigo, aplicado conscenciosamente por gente crescida, educada na mesmíssima escola, dentro dos mesmos trilhos de intolerância.
Figura popular do Bairro, aceite com benevolência e pelo menos 2 taças de vinho tinto pelas esquinas atascadas do costume, Anacleto foi enrugando naturalmente, vende agora lotaria e pensos rápidos e namorisca preserverantemente uma multidão de miúdas da praça do peixe, o que lhe tem valido, amiúde, algumas contundências e equimoses de monta.
O último desaguisanço sentimental do Gadelhas, num dramático rompimento de relações muito comentado no sitio, traduziu-se numa declaração escrita, devidamente selada e remetida via CTT, à Anastácia dos Cogumelos, última mas muito sofrida paixoneta, cujo teor exibiu junto da rapaziada mais próxima e que vale por uma honrosa afirmação de intransigência. Transcrevo, em pleno acordo com o amigo Gadelhas, a dramática missiva.

"Bolinhas, juro-te pela minha rica saúde e à fé de quem sou que não vou gramar que esse emplastro do Farturas seja agora o teu ai jesus e que não vai passar copo e meio que não tenha as ventas tratadas à maneira. Não passa dum ranhoso de tola abaulada, de chinelo roto e fundilho no cú. O 1º Prémio do Tango que sacou nos Alunos de Apolo foi tanga. Mas já que não distingues um macho sério de um petinga ordinário, acabaram-se os marmelanços na escada da manhosa da tua avó e está arrumado o tarantantan do costume. O anel que desempenhei para te dar no Natal vais fazer o favor de o meteres onde muito bem sabes e que tem largueza de sobra. Olarilas!
Para já, digo-te que os óculos escuros que te dei, feito camelo, pela Páscoa, não valem um chavo e para dizer a verdade ficas um horror com essa porcaria espetada no nasal nojento. Vê mas é se engordas essas gâmbeas, penteia esse monte de sebo casposo que te cobre a estúpida cabeçorra e passa pelo Chanfrado das Dentaduras para ver se consegues matar esse bafiento hálito de gata prenha. E, já agora, agradeço que faças o favor de fugir, para que não me topes com a malta da tasca, por via das bocas.
E mais nada que não estou para estes faróis e garinas como tu, de cueca a tresandar a fénico, papo eu à dúzia, ao pequeno almoço."


Parece claro que o Gadelhas tem convicções muito fortes sobre como tratar estas delicadas questões e o tom folclórico da peça parece afirmá-lo como um cronista popular a ter em conta, logo que sair do hospital onde o visitei recentemente, acamado e maltratado, depois de uma pouco satisfatória troca de argumentos com o ordinário do Farturas.