terça-feira, setembro 18, 2007

Carta aberta a Tenzin Gyatso.


Perdoa-me a liberdade impúdica desta carta pública, mestre, mas devo dizer-te duas ou três. É um dever ético confessar-te que me fazes lembrar um personagem roubado ao Tintin no Tibete: essas sobrancelhas de vilão BD, com vida própria lá no alto da tua jovial inquisição, essa compostura miópe e bem disposta de caixa-de-óculos-de-deus, esse manto púrpuro de imperador da razão prática, essas tuas pitorescas idiossincrasias de guru deixam-me completamente nas nuvens, santidade. Agrada-me sobremaneira a tua elegância verdadeiramente metafísica. Enfrentas políticos e jornalistas, tiranos e idólatras, bispos e apóstatas com a mesma complacência com que, lá nas tuas montanhas do paraíso, se apascentam as cabras mais irrequietas. Parece que nada te chateia, querido lama. Dá a impressão de achares que tudo faz sentido neste impossível universo e dir-se-ia até que não estás lá muito preocupado com o drama da condição humana. És um autêntico Merlin e não vai ser agora a grande távola da ignorância tribal que te vai incomodar o feitiço. Sim, devo dizer-te que gosto da tua versão mimética do eterno sorriso de Buda, das tuas gargalhadas sobre o protocolo, da tua aura de super alma e tu tens uma aura de facto, meu amigo. Nesse sentido, desconfio que serás parente de Gabriel, esse assim como tu luminoso arcanjo e campeão da ironia, com provas dadas no interminável anedotário das religiões. És em definitivo o único líder espiritual que eu conheço que me faz rir no telejornal e fico muito contente por teres vindo a Portugal sem que te obrigassem a aturar os cavacos e os sócrates da pocilga do estado. Estou em crer, ò sublime manifesto vivo do Bodhisattva da Compaixão, que a infâmia dos bandidos oficiais não te perturba o sono. E que o fardo da divindade não te pesa nessas pernas cansadas de bom e velho monge, espécie de Master Yoda em sandálias. É que a Força está mesmo contigo e, o que é mais, Dalai Lama: és um fixe, man.