Há algo de irreal nisto: o parlamento iraquiano existe porque os americanos chegaram lá e impuseram um. Neste parlamento, hoje, quase aconteceu porrada porque foi sujeita ao debate uma moção que condenava o sapato voador à heresia e o seu esquizofrénico dono à prisão. O partidinho Xiita que está ali porque os americanos decidiram deixá-lo estar, escandalizou-se todo. E desbroncou a insigne assembleia com impropérios e ameaças de Alá da mais variada nomenclatura.
Há algo de irreal nisto: o presidente eleito de um país livre, de um país que anda há um século a desenrascar o restante mundo livre, é alvo de uma sandália alada e bárbara e a malta acha piada à sandália e ao infeliz que a descalçou. Se outro infeliz qualquer, numa conferência de imprensa em Moscovo, Caracas, Havana, Pyongyang, Pequim, Teerão ou Islamabad, tivesse semelhantes tomates, estes seriam rapidamente guilhotinados para satisfação dos bárbaros e dos civilizados, numa alegre e nojenta unanimidade.
Há algo de irreal nisto. Nisto de sermos irresponsavelmente civilizados. É verdade que a bota que trago calçada faria melhor figura se quase atingisse, neste preciso momento, o trombil manhoso de Osama Bin Laden ou de um outro qualquer filho da puta de análogo genoma. Não porque, como W, tivesse o alvo a esperta destreza para se esquivar ao disparo, mas por minha desastrada pontaria. Não porque fosse pobre de justiça a bota certeira na boca do pirata, mas porque me ensinaram o pudor.
Maomé inspirou este projéctil fedorento. Cristo, por exemplo, preferiria colocar-se a meio da trajectória.