quinta-feira, fevereiro 05, 2009

O menino bonito é um chorão horroroso.

O Sr. Tavares é um daqueles personagens da cenografia mediática nacional que me enerva deveras e cada vez mais. Nascido em berço de ouro, deve ter tido um único contratempo na sua vida aristocrática, quando a mãe lhe disse um dia que era melhor ficar pela prosa, porque não se ajeitava com os versos. Traumatizado, foi estudar direito para ser jornalista. Passados uns aninhos apenas, já era director de revista séria (por mérito próprio de certeza e não por ser filho de quem era) e lendário aventureiro errante a meses pelo deserto (a direcção era um cargo em part-time, pelos vistos, mas não precisava o Sr. Tavares de ir tão longe para fumar umas ganzas - também há haxixe na Costa da Caparica). Como todos os profetas, foi provavelmente no deserto que o Sr. Tavares encontrou o seu chamamento ambientalista, causa pela qual se sujeita ainda hoje a um milintantismo de adolescente e a ameaças de porrada. Porque o Sr. Tavares, lá do alto da sua fortaleza de reconhecida e amada e venerável persona pública, é dono da verdade e não tem medo de ninguém!

Ora, por preceito higiénico, procuro evitar a página que o Expresso coloca semanalmente ao dispor do Sr. Tavares (nem o arquitecto tinha direito a tanto espaço), muito porque a sua petulância, sendo geralmente risível, torna-se - a espaços - absolutamente irritante. Desta feita porém, num momento de fraqueza, caí em cheio neste parágrafo do seu sábio articulismo:


"É possível que (...) Portugal se torne ingovernável e que deixe até de reunir condições para existir, enquanto país independente - essa é, aliás, uma hipótese de trabalho que há muito considero como coisa possível e mais verosímil do que se imagina. Eu penso que Portugal não vale muito como nação e como povo (...). Vejo Portugal um pouco como aquelas mulheres fatais que, entre os vinte e tal e os quarenta e poucos anos, se habituaram a reinar como princesas, seduzindo e cativando tudo à roda e julgando-se eternamente senhoras do jogo. Mas, um dia, olham-se ao espelho, percebem que o seu poder de sedução está a desaparecer e correm para as plásticas, para os ginásios ou para um sem-número de truques com os quais julgam poder enganar eternamente o que, pela natureza das coisas, tem um fim. Um dia, dissipado o nevoeiro do espelho, com a miserável realidade das facturas para pagar, extinto o charme do fado, do sol e do bidonville algarvio, Portugal dar-se-á conta de que está sozinho e de que já ninguém se deixa seduzir pelo seu jogo de mulher fatal da Europa, o país "que deu novos mundos ao mundo", o Infante, as caravelas e toda essa conversa gasta."


Convenhamos: O Sr. Tavares, que sempre foi e será para sempre o menino bonito da esquerda portuguesa, não tem muito de que se queixar, e muito menos que lamentar-se do país em que nasceu e do povo que o atura. Portugal tratou esta figurinha muito acima do seu merecimento e certas portuguesas até o acham bonito, o que é espantoso.
Então agora, que é novelista de sucesso, com o público, a crítica e a TVI aos seus pés numa grande produção orgíaca do culto da personalidade, o Sr. Tavares acha-se muito superior a tudo e a todos e especialmente cínico no que respeita à análise que faz do país.

Pelo que nos é dado saber, o Sr. Tavares já há muito considera entregar a nacionalidade de borla, ao primeiro equivocado licitador, assim como os amigos de seu pai fizeram com as colónias. E o Sr. Tavares dá-se ao luxo de escrever esta traição, naquela página toda grande do Expresso, com o mesmo à vontade com que mantém semanalmente umas conversas sábias e entretidas com a D. Manuela, em prime time, para elevação da audiência. O Sr. Tavares acha que não tem culpa da estupidez, não é agente da falência moral, nem tem responsabilidade pelas crises de liderança porque ele está acima da grande merda, num plano olímpico. Enquanto compara a pátria a uma madona carunchosa, vai sugerindo que nos devíamos entregar ao primeiro amante que nos pusesse por conta.

Nem vale a pena comentar a elegância da metáfora, porque vem de quem vem, mas pelas tágides, o que dizer do projecto? Eu acho que o Sr. Tavares gostaria imenso de ser posto por conta, isso sim. E para não ficar sem a sua moradia da Lapa, prefere que se encomende o país ao estado espanhol ou chinês ou, já agora, angolano. Este Portugal que o Sr. Tavares odeia, e cuja história de nação primeira avilta galhardamente, seria bem melhor governado por José Eduardo dos Santos.

O Sr. Tavares devia voltar ao deserto. Faz lá muita falta ao folclore. Devia voltar ao deserto e ficar-se por lá a tomar um cházinho de décadas.

Eu sei que lhe ficaria grato.