O último Livro do Desassossego que me veio parar às mãos (Edição de Teresa Sobral Cunha - Relógio d'Água), traz à estampa mais um fantasma do Pessoa. Chama-se Vicente Guedes e não é propriamente um heterónimo. É um personagem que o Virgem Negra decidiu inventar só para lhe roubar o diário. Nas páginas desse quotidiano apresenta-se um narrador torturado pelo amor místico, sobrevivendo com dificuldade a um complexo de irrealidades, platónico com dores de corno, austero e idealista, que escreve frases assim supremas em honra da Nossa Senhora do Silêncio:
"Sejamos castos como lábios mortos, puros como corpos sonhados, resignados a ser tudo isto, como freirinhas doidas..."
"O meu horror às mulheres reais que têm sexo é a estrada por onde fui ao teu encontro."
"Pura só tu, Senhora dos Sonhos, que eu posso conceber amante sem conceber mácula, porque és irreal. A ti posso-te conceber mãe, adorando-a, porque nunca te manchaste nem do horror de seres fecundada, nem do horror de parires."
Freud, amigo, volta que estás perdoado. O Vicente precisa de ti.