Estou para aqui já fartinho de abominar o senhor cavalcanti, filho, mas acontece que, no seu equívoco esforço biográfico, ele acabou por ler um poema do Ricardo Reis que eu nunca tinha lido. Ou, até mais desgraçadamente, é muito provável que o tenha lido mas que não me tenha importado tanto com ele como, em magnífica hora, o inócuo biógrafo com ele se importou. O poema, que é o que afinal realmente interessa, reza supremo assim:
Sim, sei bem
Que nunca serei alguém.
Sei de sobra
Que nunca terei uma obra.
Sei, enfim,
Que nunca saberei de mim.
Sim, mas agora,
Enquanto dura esta hora,
Este luar, estes ramos,
Esta paz em que estamos,
Deixem-me crer
O que nunca poderei ser.
Ricardo Reis. Odes.
Este é o texto que eu nasci para escrever e não escrevi porque afinal já estava escrito. Porque afinal eu não nasci para isto.
Uma das virtudes enormes do Pessoa é que ninguém consegue ser poeta em Portugal depois dele, a não ser que seja um grande poeta. Ao império do Fernandinho só sobrevivem os génios. E, ainda assim, sempre podemos contar com quatro ou cinco josés carlos ary dos santos, teixeiras de pascoaes, alexandres o'neill, eugénios de andrade e antónios gedeão.
Ora, eu por acaso até sou um fan, no sentido patético do termo, do José Mourinho. Mas não é o facto de Portugal ter parido quatro botas de ouro (ou bolas de ouro, ou lá o que é), que Portugal é uma nação como deve ser. Pelo menos, convenhamos, não será apenas por causa disso.
Camões e Pessoa no mesmo quilómetro quadrado deve querer dizer qualquer coisa. No sentido em que Einstein falava do espaço e do tempo, por exemplo, deve mesmo querer dizer qualquer coisa.
E eu, quanto mais vivo, quanto mais sofro, quanto mais tenho pena de mim e quanto mais me lastimo por ser deste país; e eu, quanto mais odeio Einstein, quanto mais amo Fernando Pessoa, mais gosto de ser Português.