O problema de fundo que foi ontem em boa hora evitado à justa pelos escoceses, é o que decorre do potencial endémico que a independência desta nação poderia ter no sentido da desintegração da geografia política na Europa.
Se os escocesses ganhassem a sua independêcia, o Reino Unido vir-se-ia, num futuro mais ou menos próximo, confrontado com movimentos nacionalistas de diferente intensidade na Irlanda do Norte e no País de Gales. Em Espanha, as já problemáticas ambições independentistas de catalães, bascos e galegos subiriam de tom. Na Bélgica, os flamengos bateriam o pé aos francófonos; na Holanda, levantar-se-ia a velha questão da Frísia. Em Itália, logo se ouviriam os Corsos em protesto pela liberdade da sua ilha. Na Alemanha, os bávaros ganhariam fôlego para as suas aspirações fracturantes, enquanto os alemães que vivem em França (Alsácia e Sabóia), na Silésia (sudoeste da Polónia) e no sul da Dinamarca perguntar-se-iam se não tinha chegado a hora de voltar a entregar à Alemanha os territórios que detinha em 1914.
Os eslovenos que ficaram encurralados na Aústria, os macedónios que ficaram esquecidos na Bulgária e na Grécia, os húngaros que foram abandonados na Eslováquia, os dinamarqueses que ficaram fechados na Alemanha, os morávios que ficaram entalados entre a República Checa e a Eslováquia, os Russos da Letónia, os curdos da Turquia, os turcos da Macedónia, os dementes da Cornualha, os atrasados mentais da Bretanha, os tripeiros do Porto, os palermas da Ilha da Madeira e os imbecis de toda a parte teriam novas e ainda mais infelizes razões para incomodarem as pessoas de bom senso com as suas bandeirinhas e as suas contas por acertar. A Europa, todos sabemos, tem sempre contas por acertar e, geralmente, são contas que apenas ficam certas com muitos milhões de mortos. Basta pensar no recente processo de transformação geopolítica dos balcãs para ficarmos horrorizados com um cenário de trend independentista à escala continental.
Além disso, a última coisa que a Europa precisa, neste momento, é de se perder em identidades labirínticas, economicamente inviáveis, fechadas no seu imaginário emocional com raízes num passado que é, invariavelmente, virulento e ensanguentado. A Europa não precisa de encolher. Não precisa de se retalhar. Precisa de se transcender.
É certo que o Não escocês resolve pouco. 55% deixa muita margem de manobra para novas pressões plebiscitárias no médio-longo prazo e o resultado deste referendo não vai calar de certeza a triste massa de retardados a que costumamos chamar catalães. Um cenário de desagregação em Espanha será sempre mais grave que a implosão do Reino Unido, na medida em que a Inglaterra terá ainda assim condições para permanecer uma potência, enquanto na Península Ibérica não há uma só nação que permaneça forte contando apenas consigo própria.
Mais a mais, não vale a pena ignorar o elefante cor de rosa que está sentado no centro da arena desta conversa: a maior parte dos estados europeus não são realmente independentes, muito simplesmente porque dependem da União Europeia e de super-estruturas tecno-económicas que ultrapassam largamente a sua autonomia e capacidade executiva. Os movimentos Independentistas europeus anseiam pela autodeterminação só para depois entregarem essa liberdade aos burocratas de Bruxelas, aos adolescentes multimilionários que dominam a inovação tecnológica e aos caciques do terceiro mundo que detêm o poder fiduciário. Ora, isto não faz sentido nenhum. Se fosse escocês, preferia mil vezes depender de Westminster do que depender da Comissão Europeia, dos caprichos de um Zuckerberg qualquer ou dos infames interesses de um sheik das arábias.
Seja como for, saúdo os escoceses por terem feito o possível por manter fechada a Caixa de Pandora. E por terem dado mostras que o Reino Unido continua, afinal, na vanguarda da civilização, da democracia e do bom senso.