sábado, dezembro 05, 2015

Greves em tempos de esquerda.

Jornalista, poeta, ensaísta, crítico, polemista e incomparável sábio, o meu amigo Márcio decidiu responder afirmativamente ao repto que lhe lancei e este aqui é o primeiro dos textos que vai escrever para o Blogville, sempre que lhe der na bolha. Estou todo contente. Damas e cavalheiros, tenho pois o prazer abundante de vos dar à leitura a elevada e saborosa prosa de Márcio Alves Candoso. Bom proveito.


A greve anunciada do Metropolitano de Lisboa coloca todas as questões das anteriores e mais uma. O que se passa com este Governo?

Vejamos. Quer seja por razões puramente sindicais quer por questões de afirmação política - ou, à boa maneira leninista, pelas duas ao mesmo tempo -, as greves têm por função afirmar o poder dos trabalhadores.

É natural que, sendo o Governo apoiado por forças políticas mais compreensivas - digamos assim - com o mundo do trabalho assalariado, os sindicalistas tenham tendência a pensar com mais cuidado as formas de luta que devem empreender para afirmar os seus direitos e ânsia de partilha de poder.

Certo? Teoricamente sim. Mas errado, dada a conjuntura e as diversas forças em confronto. A questão é complexa. Se por acaso não é pública a forma como foi formado este Governo, eu ajudo a explicar.

O BE só não tem ministros e secretários de Estado no Executivo de António Costa porque o PCP não se mostrou disponível para fazer o mesmo. Costa queria ter representantes das forças que o apoiam, ao nível do Parlamento, em vários lugares do colectivo que dirige. Mas, se o PCP não quis, não se pode pôr lá ninguém do BE. Acho que isto chega para perceber porque é que os acordos foram bilaterais e não conjuntos.

Ao contrário do BE, o PCP é um partido de classe. Acredita tanto que o PS de Costa vai trazer-nos os 'amanhãs que cantam' como eu acredito no Pai Natal - ou um pouco menos. Mas, engajado em afastar a 'direita' do poder, tacticamente agarrou a oportunidade.

Isso não quer dizer que não mantenha intacta a força do seu 'braço armado' - a CGTP. Esta vai tentar forçar ao máximo o Executivo socialista a seguir políticas que, não sendo as mais populares no seio do PS, são as que correspondem à agenda político-sindical da central.

A isto acresce que, dentro do próprio PCP, a unicidade não existe. Eles são muito bons a fazer passar para fora das 'paredes de vidro' que estão sempre em sintonia total, mas isso, para quem conhece minimamente a realidade interna, é música! Jerónimo tem aliados na sua tentativa de 'compromisso histórico' com o PS, mas há no Comité Central muito 'boa' gente que lhe rogou pragas.

António Costa sabe disto, e vai tentar até à exaustão agarrar-se à parte do PCP que o apoia, e tentar excluir os que querem que os acordos 'burgueses' sejam rasgados.

Duas notas finais. O BE, com toda a sua ingenuidade, anunciou já que vai reunir com as direcções dos sindicatos que convocaram a greve. Do lado do PCP, lidas as notícias que elucidaram este texto,nem uma palavra. Isto por um lado. Por outro, convinha que todos nós percebêssemos, de uma vez por todas, quem no organigrama do novo Governo responde pela pasta dos Transportes. É que não se divisa um secretário de Estado da tutela.