terça-feira, fevereiro 09, 2016

Spin sem pressão.


Dizia-me ontem um estimado amigo e ilustre jornalista, que tinha mixed feelings sobre o orçamento da geringonça. Não percebi porque é que os sentimentos eram contraditórios, na exacta medida em que fui informado apenas pela positiva: trata-se, segundo este meu querido amigo, de um orçamento respeitável pelo seu virtuosismo malabarista e o mais sério dos últimos 7 ou 8 anos.

Ao contrário do que geralmente faço quando sou confrontado com opiniões tão radicalmente antípodas das minhas, calei-me. Calei-me muito bem caladinho. Acho sinceramente que entrei, naquele momento e oficialmente, em estado de choque.

Um jornalista de economia com uma carreira de décadas, inteligente, culto, educado, ideologicamente desalinhado; estava ali, à minha frente, a louvar a deus pelo orçamento da geringonça. Isto é possível. Isto aconteceu-me.

Escapa talvez ao meu querido amigo que a seriedade deste orçamento, bem como a sua virtude circense, se existem, é porque foram obrigadas. Não fora a força negocial dos credores internacionais e este seria um orçamento de bandidos, como muito bem demonstra o episódio das medidas estruturais que iam passar rapidamente a medidas temporárias, para não se somarem à tendência deficitária. Não fora a força malvada de Bruxelas e a necessidade contorcionista diminuiria substancialmente. Isto é tão óbvio que me espanta ter que escrever isto.

Aliás, mais que malabarista, este orçamento sempre foi e continua a ser - porque até as forças do mal foram bem enganadas - um orçamento ilusionista. Depois do magistral acto de magia negra que constituiu a sua subida ao poder, Costa tornou-se o rei da ilusão. Faz de conta que vai cumprir as suas obrigações de devedor para poder continuar a comprar o dinheiro barato, enquanto finge que vai satisfazer as exigências mais tresloucadas da esquerda radical que o colocou no poder. Vende com sucesso chorudo (e desfaçatez recordista) a ideia de que está a acabar com a austeridade, apresentando um orçamento que de facto aumenta a percentagem da carga fiscal sobre o PIB. Esconde com artes de feiticeiro as verdadeiras razões pelas quais fez da redução da sobretaxa um cavalo de batalha (aprende-se muito com o mestre Chavez) e mascara-se de inocente para anunciar a redução (esta sim colossal) do número de funcionários públicos. Num momento de raro espectáculo, é apoteoticamente aplaudido quando sugere que a ausência no orçamento das ideias do célebre grupo dos 12 é devida apenas a uma estratégia de gestão dos 4 anos de mandato. No fim do número, o coelho que tira da cartola é o truque socialista de sempre: o controlo absoluto sobre a comunicação social.

Um controlo que é, afinal, muito fácil de conseguir. Ninguém pressionou ou ameaçou ou incomodou, mesmo que ligeiramente, o meu querido amigo para que a sua opinião fosse formatada ao devido spin de S. Bento. Ele chegou lá por volição própria. Uma coisa que Sócrates nunca percebeu, é que em Portugal um primeiro ministro socialista não precisa de recorrer a impropérios e ameaças para fazer valer o seu esquema dogmático. Os jornalistas fazem esse trabalho lindamente, por auto-recriação.