quarta-feira, agosto 17, 2016
Olímpiadas.
Uma rapariga completamente coberta pela sua honorável e imensa capa negra de escrava sexual corre uma eliminatória olímpica dos 100 metros em 15 segundos e isto é normal. Os rapazes que afinal não são terroristas islâmicos (um deles até deve ser casado com a rapariga completamente coberta pela sua honorável e imensa capa negra de escrava sexual) ainda não conseguiram rebentar com nada nem com ninguém e isso, sim, é que se estranha imenso.
Contra tudo o que seria expectável e apesar de todos os legítimos pessimismos, parece que os cariocas conseguem organizar umas olimpíadas. Já nós, portugueses, temos uma enorme dificuldade em trazer medalhas olímpicas para casa. Uma dificuldade que é, num raro uníssono ontológico, cultural e genética. Não somos atletas natos, claro. Mas também não somos uns competidores loucos. Os portugueses acham que perder é natural como os senhores do Comité Olímpico acham normal que a mais lenta atleta da história universal corra de burka imensa na direcção do mais absoluto ridículo.
São coisas da vida.
Entretanto, os jornalistas pátrios, na sua também comum comicidade, elogiam os nossos atletas em qualquer situação e sob a ameaça dos mais modestos resultados: quando eles perdem pontos ou falham um passe ou saltam baixinho ou lançam mal ou erram o alvo ou nadam como pedras ou se esquecem de acordar a horas. Estão a perder, mas estão a salvo da crítica. Afinal, são tecnicamente superiores. Ainda estou para ouvir que um atleta português é uma lástima técnica. Não senhor. Somos todos virtuosos. Perdemos invariavelmente, mas somos uns predestinados do caraças.
Os atletas, embalados por este carinho da imprensa, encolhem os ombros e desculpam-se: a competição é muito forte e as algas atrapalham; a humidade asfixia e o fuso horário desorienta; surgem dores de cabeça, ansiedades, alergias, fraquezas, desmaios. Todo e qualquer atleta português é um Fernando Mamede em potência e tem sempre a desistência no horizonte onírico. Desistir é o supremo alívio, a saída airosa, o desvio épico.
E mesmo quando terminam as suas provas, com as honrosas classificações de oitavo, vigésimo quinto ou quadragésimo sétimo, não está nada mal. Foi a melhor marca individual de sempre ou o melhor resultado possível. Uma excelente prestação. O atleta deu o melhor que tinha e sabia e não se pode pedir mais. Bateu o recorde do concelho da Amadora. Ficou apenas a nove centímetros da medalha de bronze. Apenas a sete centésimos da final. Apenas a seis pontos do penúltimo. Daqui a quatro anos, há mais. E será melhor. Na verdade, toda a gente sai das olimpíadas com a consciência do dever cumprido, não há hipótese. Ninguém ganha nada, mas são todos vencedores.
Claro que a triste realidade olímpica nacional não é só responsabilidade de atletas e jornalistas. É sobretudo o resultado da mais absoluta irresponsabilidade com que os dirigentes políticos e técnicos encaram o assunto. Portugal é, no que diz respeito ao desporto, uma país de terceiro mundo. Há futebol e há o deserto. Não conseguimos levar aos Jogos uma equipa de basket, de andebol, de vólei. Falhamos incrivelmente em modalidades que podíamos e devíamos dominar como a vela, a canoagem ou o vólei de praia. E a desculpa não pode ser a dimensão do país ou a escala demográfica. Países de dimensões semelhantes como a Holanda, a Hungria, a Irlanda, a Lituânia ou a Eslóvenia, só para falar de alguns exemplos europeus, são, comparativamente, muito bem sucedidos. No ranking dos Jogos modernos, o nosso país está classificado no sexagésimo quinto lugar, atrás de países super desenvolvidos como a Coreia do Norte, o Irão, a Argélia e essa potência desportiva que são as Bahamas.
Os Jogos Olímpicos são, assim, invariavelmente, um evento deprimente para os portugueses que ainda conseguem ter expectativas. Para aqueles que já não as têm, como eu, são um bocadinho mais suportáveis. Mas seria sempre preferível que nem puséssemos lá os pés. Essa sim, seria a mais honrada, a mais nobre, a mais higiénica das desistências.