domingo, setembro 11, 2016
Setembro
Quando o verão está a acabar, começa o que tem de melhor o verão.
Há calor e silêncio, há a multidão que regressa e eu que parto
para onde a multidão esteve e já não infecta
o calor e o silêncio.
Quando o verão está a acabar, o Cabo Espichel manda uma ventania
diferente. A luz é outra e um gajo pega na merda do telemóvel e tira
uns bonecos especiais.
Quando o verão está a acabar, a baía, toda vaidosa, despe-se só para mim
e faz questão de caprichar ao entardecer, talvez por causa do rosé,
talvez porque deus me está a dizer: continua.
Quando o verão está a acabar, há mais sol para amadurecer uma amizade recente;
há mais marés para mergulhar a cumplicidade de amizades antigas;
há mais praia para que o vento me escalde a pele
e para que a água me enregele os tomates e há sobretudo
tempo ainda para que consiga escrever uma porcaria
de um poema.
Quando o verão está a acabar, surge a santa oportunidade de fazer
lua de mel com a mulher com que sempre fui casado e de fazer
um irmão a partir de um sobrinho e de fazer
amor com a vida.
Quando o verão está a acabar, nasce a tranquilidade que é precisa para fumar
cachimbos da paz
e para ser o filho que devia ser
no Inverno.
Quando o verão está a acabar, fico muito mais próximo da lua e as estrelas
acarinham-me com intermitências secretas e o cosmos revela-se enfim,
liberto dos seus eternos e, às tantas, aborrecidos enigmas:
Eu estou aqui. Sou insignificante, mas sou um gajo. Chamo-me Paulo Hasse Paixão.
E por isso, sei de onde venho. Não sei para onde vou, claro, mas neste preciso momento
estou-me completamente nas tintas porque já bebi uns copos e porque o verão está a acabar
e essa é a parte que eu gosto mais do verão.
Estou bem disposto. Não quero morrer.
E é assim.