Já não escrevo poemas porque
estou no barbeiro e no programa da tarde que ocupa a televisão do barbeiro
está um entertainer a dizer que o papa francisco e o barak obama
são muito boas pessoas.
Já não escrevo poemas porque
a veia não aguenta a estupidez de toda a gente, a ignorância maluca e aos pulos
por dentro das pessoas todas. Mesmo as boas pessoas.
Já não escrevo poemas porque
o entertainer do programa da tarde do canal público não sabe
(e é natural que não saiba, caso contrário não estaria a poluir o éter
do canal público àquela singela hora da tarde)
que as pessoas serem boas ou más
é completamente irrelevante para a história universal das pessoas.
E é por isso que já não escrevo poemas.
Já não escrevo poemas porque
as pessoas serem fundamentalmente estúpidas
é que é relevante para a história universal das pessoas.
Já não escrevo poemas porque
tenho mais que fazer e porque
não consigo transformá-los em balas.
Se sucedesse o inverso, seria uma verdadeira fábrica de poemas.
Era poemas-bala para dar e vender.
Já não escrevo poemas porque
o facebook pacificou as sensibilidades e os espíritos
com a boa e velha técnica da lobotomia, agora tecnologicamente avançada
com o acréscimo da indignação.
Já não escrevo poemas porque
os meus poemas iam certamente indignar este mundo e o outro e eu
não tenho tempo para me chatear tantas vezes assim.
Já não escrevo poemas porque
o instagram vale mais que mil versos
e o twitter não aceita para além de uns poucos caracteres.
Já não escrevo poemas porque
as faculdades proíbem as pessoas de dizerem o que pensam
e porque
os meus poemas podem ser processados e os advogados são caros
e porque
não foi a escrever poemas que eu cheguei a este lugar
e porque
é demasiado tarde para me arrepender do triste lugar onde cheguei
e porque
ninguém me prometeu nada na infância.
Já não escrevo poemas porque
os meus poemas não salvam os cristãos do médio oriente
(se os exércitos cristãos não salvam os cristãos do médio oriente
como é que os meus versos iam fazer qualquer diferença?).
Já não escrevo poemas porque
os meus poemas não salvam o Ocidente desta morte lenta e horrorosa.
Já não escrevo poemas porque
Platão, Cristo e Kant perderam a imortalidade.
Já não escrevo poemas porque
um gajo tão reles como o Trump consegue estar carregado de razão.
Já não escrevo poemas porque
Jorge Luis Borges.
Já não escrevo poemas porque
Fernando Pessoa.
Já não escrevo poemas porque
Luís Vaz de Camões
Já não escrevo poemas porque
o Ricardo Araújo Pereira é de esquerda.
Já não escrevo poemas porque
estou velho.
Já não escrevo poemas porque.