sábado, abril 15, 2017

Outro elogio da incompetência.

"Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo."


Álvaro de Campos


Todos os meus amigos que escrevem poemas
(tenho bastantes amigos que escrevem poemas, por graça de Cristo)
gostam imenso que eu leia os poemas que eles escrevem.

O facto traduz, na verdade, uma lisonja parva porque
eu não sou propriamente o Luís Borges e porque
eu não sou sequer um legítimo crítico literário até pelo simples facto
de escrever também poemas.

Por muito má que seja a minha poesia
(tão má que serve a boa poesia dos outros, pelo contraste)
não deixa de ser poesia e um poeta que também serve
para crítico literário, é uma besta.

Eu próprio, fenómeno espantoso,
gosto imenso de ler os poemas que os meus amigos escrevem,
mesmo quando são de caras melhores que os meus
ou piores do que eu consigo imaginar.

Tudo isto não interessa realmente à poesia.
As pessoas gostarem ou não gostarem da poesia que se escreve é
completamente irrelevante.

Tudo isto não serve realmente à amizade.
Não é por ser amigo de poetas que sou amigo deles,
independentemente de eles serem bons ou maus poetas ou mais ou menos.

Digamos que me sinto um felizardo por ser amigo destes notáveis trovadores,
embora a qualidade da sua trova seja substancialmente indiferente
tanto para a história universal da literatura como
para mim.

A qualidade da minha própria poesia
é a coisa mais indiferente para mim que tu possas imaginar,
gentil e tolerante leitor.

Talvez por isso, ou por legítimo nojo estético, ou por justificada
inoportunidade ontológica, os meus amigos poetas evitam
o convívio dos meus versos, embora,
estranhamente,
procurem a benção da minha crítica.

Sendo um péssimo poeta serei ainda um pior crítico e é assim
que tantas vezes sinto aquilo que o engenheiro naval sentia:
a improvável singularidade de ser o único gajo que escreve
má poesia.