A ingratidão dos franceses em relação aos seus aliados das duas grandes guerras é lendária e diz muito de um povo que foi, nos dois conflitos, incapaz de se defender por si mesmo (por exemplo: no seu discurso de libertação de Paris, De Gaulle foi incapaz de uma palavra de agradecimento aos ingleses e americanos que na verdade foram os primeiros responsáveis pela retirada dos nazis).
Mesmo assim, estas declarações do actual presidente francês, para além de evocarem um gaullismo passadista e freudiano, são de uma desfaçatez inacreditável. Um exército europeu é uma utopia completamente irrealista e, na verdade, altamente desaconselhável. Os estados constituintes da União Europeia não têm todos a mesma moeda. Não têm todos a mesma política de fronteiras (sim há estados da União que estão fora do espaço Schengen), não partilham todos dos mesmos aliados naturais e históricos nem dos mesmos interesses estratégicos. Imaginem o que seria um corpo militar com gregos e cipriotas, húngaros e croatas, romenos e checos, polacos e alemães. A capacidade operacional desta força militar localizar-se-ia perto do zero absoluto. Mas mesmo que assim não fosse, seria um exército europeu capaz de travar forças bélicas exponencialmente superiores como as das 3 potências que Macron indica? Sem a ajuda dos Estados Unidos, seria a Europa capaz de mobilizar recursos e capitais para fazer frente a uma agressão russa ou chinesa? é claro que não.
A única intenção de Macron é a de mostrar hostilidade para com o actual inquilino da Casa Branca. Retaliar contra Trump por Trump ter posto em causa a utilidade da NATO e os custos que representa para a tesouraria americana. O curioso é que, até agora, Trump não descapitalizou a NATO, mas os franceses devem muito dinheiro à Aliança Atlântica. Se Macron acha que a Europa está desprotegida, se calhar devia pagar o que deve e confiar na história: aliados desde os seus momentos fundacionais, franceses e americanos têm tudo a ganhar na continuação dessa aliança. Têm muito a perder, especialmente os franceses, se se encararem como inimigos.
Emmanuel Macron sabe isto muito bem. Mas a política contemporânea, na Europa, não é sobre aquilo que se sabe que é verdade. É sobre as mentiras que funcionam. O problema é que a mentira funciona a curto prazo. Não se pode mentir durante muito tempo e esperar que as pessoas continuem a acreditar na falácia. E é por isso que o actual Presidente da República Francesa, no mesmo momento carregado de ironia em que se coloca em bicos dos pés para suceder a Angela Merkel, não passa de um líder transitório, fraco, ideologicamente deficitário, cujo índice de popularidade no seu país está abaixo até do que os franceses pensam de... Donald Trump.