segunda-feira, março 23, 2020

Entre o pânico e a razão: contributos para uma análise do risco no contexto do C-19.

Não quero de todo desvalorizar as consequências terríveis do Covid-19 e posso estar completamente errado - a seu tempo veremos isso - mas desde o princípio desta pandemia que tenho a opinião de que a maior parte dos países ocidentais - com a excepção da Inglaterra e da Rússia (se considerarmos a Rússia um país ocidental) está a gerir pessimamente esta praga chinesa.

Como já aqui escrevi, a estratégia que defendo seria a de fechar atempadamente as fronteiras e dirigir recursos logísticos, cuidados médicos e regimes de quarentena apenas aos grupos de risco, de forma a manter a economia a funcionar e a ganhar tempo para que as redes hospitalares não entrassem em colapso rapidamente, como está já a acontecer (e ainda não vimos o pior, claro).

A minha opinião deriva também de uma circunstância escandalosa: sabemos muito pouco, mas mesmo muito pouco sobre este vírus. Por exemplo:
- Não sabemos com precisão o seu índice de vítimas mortais. Oscila, mais coisa menos coisa, entre 6% e 0,2%, dependendo dos continentes, dos países, do nível de cuidados médicos instalados, do números de testes feitos e etc. A Organização Mundial de Saúde coloca a média mundial em 3,4%, mas esta percentagem está a sofrer objecções e alterações constantemente.
- Não dominamos de todo a mecânica e o pontencial endémico do vírus. Sabemos que tem um índice de transmissibilidade enorme (essa é se calhar a mais assustadora característica desta doença), mas não temos certezas nenhumas sobre os meios que usa, as resistências que apresenta, as fragilidades que esconde. Não sabemos sequer se a sua agressividade, tanto no contágio como nos sintomas, varia com a temperatura (!).
- Não sabemos porque é que há pessoas imunes ao C-19 ou porque é que a severidade dos sintomas, mesmo nas faixas etárias mais baixas, apresenta graus tão distintos.
- Ainda não sabemos quem foi o paciente zero e ainda não sabemos qual foi a origem do vírus e as causas da sua mutação genética.
- Não sabemos como tratar com eficácia os sintomas da patologia, nem que procedimentos clínicos adoptar para salvar vidas.

A ignorância em que estamos embrulhados deve-se em grande parte ao facto do Covid-19 ter surgido na China, um país governado por comunistas e, como todos os países governados por comunistas, secretivo, manhoso e irresponsável (na acepção humanitária da palavra). O Partido Comunista Chinês, ainda para mais, é certamente aquele que, na história horrorosa dos regimes comunistas, maior indiferença mostrou e mostra pelo valor individual da vida humana, embora a importância esmagadora que é atribuída ao colectivo não resulte, neste caso, apenas do pensamento ideológico, mas também da cultura e da realidade demográfica do Império do Meio. É no entanto factual que o regime chinês procurou esconder a ameaça global, para não perder a face. A linha temporal do fenómeno Covid-19 testemunha bem o lamentável comportamento das autoridades de Wuhan, primeiro, e depois de todo o aparelho sino-comunista.

Porém, não podemos em perfeita justiça atribuir culpas exclusivas à draconiana e incompetente burocracia chinesa por tudo o que não sabemos sobre o Covid-19, quatro meses depois da sua emergência. Há de facto aqui um problema gravíssimo na capacidade de resposta das instituições científicas no Ocidente, que não me surpreende nada e que só confirma o que tenho escrito em quantidades industriais neste blog sobre o estado miserável a que chegaram a maior parte das disciplinas exactas no século XXI.

Perante este quadro de desconhecimento do vírus, aconselhar-se-ia alguma cautela nas decisões políticas tomadas para combater o contágio. Aconselhados pelo puro e simples medo da turba, a maior parte dos governos optaram, com diferentes graus de rigidez, é certo, por fazer parar os seus países nas várias dimensões da realidade social. Esta paralisação multidimensional, desacompanhada de dados científicos credíveis e que nem sequer tem um fim programado, é devastadora em termos económicos, mas também em termos psicológicos e civilizacionais e os seus efeitos estão ainda para serem calculados com um mínimo de exactidão (se tal cálculo é possível).

Toda esta conversa vem a propósito de um artigo sobre a realidade britânica publicado ontem na Medium* e que disseca os dados disponibilizados pelo Office For National Statistics. Neste artigo, demonstram-se com alguma simplicidade dois factos: o primeiro é que o risco de mortalidade provocada pelo Covid-19 dificilmente vai transcender, em Inglaterra, o risco de mortalidade anual por outras causas clínicas, e a curva parece replicar completamente o desenho das mortes por outras doenças. O que vai acontecer é que esse risco incidirá sobre a população durante 3 ou 4 meses e não em 12 (e é por isso que se dá o constrangimento das redes de cuidados médicos). Daqui deriva o segundo facto: uma boa parte das fatalidades registadas no âmbito do C-19 aconteceriam na mesma, através de complicações provocadas pela gripe convencional e por outras patologias que ameaçam o sistema imunitário de pessoas com quadros clínicos complicados e idade avançada. Muitos dos doentes que morrem agora, e digo isto com o devido respeito pelo sofrimento e aflição das famílias atingidas pela pandemia, morreriam mais há frente no tempo, mas ainda no contexto estatístico do ano corrente. Os números são o que são e não mentem.

Vale a pena ler o artigo, mas só este quadro aqui dá bastante que pensar:


Acresce que a estratégia seguida pelo governo inglês, menos restritiva, mais cirúrgica e tendencialmente protectora dos motores económicos internos, está, pelo menos até ao momento em que escrevo estas linhas, a correr bem: o país é apenas o décimo no mundo e sexto na Europa com maior  crescimento de infectados.

O futuro fará justiça sobre a validade das diferentes estratégias e da minha humilde opinião sobre o fenómeno. Mas que corremos o severo e ridículo risco de chegar ao verão com a economia global no ponto zero e evidências estatísticas de que foi o pânico e não a razão que triunfou sobre as decisões tomadas, isso corremos.

Até porque parecemos esquecer, neste momento, que as crises económicas também implicam mortandade, por directa ou indirectamente provocarem guerras, crimes, suicídios, abuso de estupefacientes, subnutrição e doenças.

A ver vamos.

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*Agradeço ao José Abel Aguiar a gentileza de ter partilhado comigo o artigo da Medium.