terça-feira, dezembro 15, 2020

Catarina e a beleza de matar.

A prova provada de que vivemos num regime ideologicamente condicionado está no título desta produção do Teatro Nacional D. Maria II: Catarina ou a Beleza de Matar Fascistas. Se em vez de matar fascistas Catarina se visse obrigada pela sua família de assassinos a matar comunistas, que carmo e que trindade não cairiam nas páginas dos jornais? Sim, se o D. Maria II levasse ao palco uma peça que se chamasse Catarina e a Beleza de Matar Comunistas (que são tão fascistas ou mais fascistas que os fascistas que a Catarina tem que matar), que incomensuráveis indignações pelejariam pelas redes sociais? Que vontade censória não triunfaria imediatamente nos corredores do Ministério da Cultura? Que apoio financeiro seria consignado à produção de tal horror? Que orçamento geral do estado poderia receber a conivência do Partido Comunista Português?


 
Eu bem sei que, entre as várias e militantes ambiguidades presentes no texto de Tiago Rodrigues, a moral dramatúrgica parece incidir na condenação, mais ou menos tímida, mais ou menos dialéctica, do assassinato por motivação política. Mas isso não invalida de todo o meu argumento, porque se alguém tivesse a coragem de escrever e encenar uma Catarina e a Beleza de Matar Comunistas, toda a gente se recusaria a investigar sequer a moral da história. Toda a gente ia partir logo para o insulto e a censura e o cancelamento da liberdade de expressão. Porque a liberdade de expressão, em Portugal - e cada vez mais no todo do Ocidente - só existe para aqueles que não valorizam a liberdade de expressão. Para aqueles que a combatem em nome de um ideal essencialmente comunista: a igualdade. E como igualdade e liberdade são conceitos organicamente antagónicos, ninguém conseguiu ainda inventar um modelo social que os harmonize. Acontece apenas que a brigada igualitária está, nitidamente e apesar de todas as catastróficas evidências históricas, a ganhar o campeonato ideológico. E a ganhar sem que ninguém se levante para dar luta. Porque as direitas dos regimes ocidentais - a existirem - desistiram, há muito, de lutar.