quarta-feira, junho 02, 2021

O meu pé pesado #10: Grupo B ou o apogeu do mundial de ralis.

Apesar do WRC ser uma competição automóvel relativamente recente - a primeira época data de 1973 - foi logo entre 1983 e 1986 que assistimos ao apogeu desta modalidade automobilística. Nesses 4 insanos anos, de que as pessoas com menos de 45 aniversários cumpridos provavelmente não guardam memória mas que é um momento sagrado para todos os amantes do automobilismo, correram os carros mais potentes da história dos ralis, conduzidos por alguns do mais hábeis e corajosos pilotos de sempre, verdadeiras lendas como Walter Rohl (o meu favorito de sempre), Markku Alén, Ari Vatanen, Hannu Mikkola, Michelle Mouton, Henri Toivonen e Stig Blomqvist. Estou, claro, a falar do épico Grupo B.

Os automóveis desta era eram bólides assustadores, com 400 a 800 cavalos de potência, turbo-compressores sem restrições, electrónica incipiente e com pesos entre os 900 e os 1200 quilos. Eis alguns deles:

Audi Quattro S1


Porsche 911 SC RS




Renault 5 Turbo


Lancia 037


Peugeot 205 Turbo 16 E2


Metro 6R4


Ford RS200

Para além de serem belas e potentes, estas máquinas infernais produziam um som apocalíptico que só quem as viu passar ao vivo consegue realizar. Se um automóvel já foi um instrumento de intimidação, foi de certeza um automóvel Grupo B do mundial de ralis.

Apesar disso - e porque vivíamos tempos muito menos securitários do que vivemos hoje (nem se compara, na verdade), os ralis desta época eram uma espécie de tourada radical: as multidões juntavam-se no limite das estradas e, muitas vezes, ocupavam-nas completamente, afastando-se in-extremis para que estes monstros passassem a velocidades estonteantes. Escusado será dizer que o Rali de Portugal Vinho do Porto era o máximo exemplo desta loucura suicidária. Em Sintra como em Fafe, Em Arganil como em Lousa, a malta desafiava o bom senso como se amanhã fosse um dia que não valia a pena viver. Vale mesmo a pena ver este eloquente clip, que retrata com perfeição o que se passava na altura:



É claro que esta mistura explosiva de automóveis dantescos e multidões ensandecidas, ainda que consubstanciando um espectáculo absolutamente inigualável, não podia acabar bem. Em 1985 Attilio Bettega não sobreviveu à colisão do seu Lancia 037 com uma árvore, num troço do Rali da Córsega. Um ano depois, na Lagoa Azul, em Sintra, Joaquim Santos, ao tentar evitar um grupo de fãs que pulavam alegremente no meio da estrada, perde o controlo do RS200 e acaba por atropelar dezenas de pessoas, ferindo mais de trinta e matando 3 (eu estava lá, 4 curvas mais à frente). Ainda em 1986 e outra vez no rali da Córsega, o grande Henri Toivonen e o seu co-piloto são projectados por uma ravina a baixo. O carro parou virado ao contrário, já meio destruído, incendiou-se e matou os dois. Era o fim do Grupo B.

Mas enquanto durou, foi glorioso. Até porque sem risco não há glória, como parecem ignorar hoje em dia os patrões da FIA e não só. E é para celebrar os heróis e as suas espantosas máquinas, que me lembrei de incluir uma revisitação do Grupo B nesta série de posts relacionados com o sim racing.

Para dar uma ideia o mais realista possível do que é conduzir um Grupo B, escolhi o icónico Audi Sport Quatrro de 1984, com o qual Stig Blonqvist foi campeão do mundo nesse ano, e o Dirt, versão 1.0, porque é o único simulador que tem realidade virtual para a Playstation. E faz sentido usar a realidade virtual neste segmento, de forma a tentar projectar a sensação de velocidade e poder destes automóveis.

Audi Sport quattro Rallye (Dirt Rally) - Dirt

Nem é preciso dizer que os carros do Grupo B são os mais difíceis de conduzir de todos os que são disponibilizados pelos jogos de ralis. O controlo de tracção é baixo ou nulo; apesar das 4 rodas motrizes, temos sempre a sensação de que os travões não travam, de que as suspensões não suspendem, de que o motor destas bestas está ali para nos fazer sair da estrada o mais depressa possível. Para levar um troço até ao fim sem grandes e terminais incidentes temos que fazer um uso bastante parcimonioso do acelerador, começar a travar muito antes do que estamos habituados e, ainda assim, manter as rotações altas, para que o lag destes turbos de primeira e segunda geração não nos deixe a pastar na estrada. É complicado.

Escolhi um troço da Grécia, com dez quilómetros e meio, porque o piso deste rali me parece adequado às características do Audi.

O vídeo não saiu exactamente como eu pretendia, porque o ângulo da imagem subiu muito e não é bem o da visão que o capacete da PSVR te dá. No último terço do troço, ainda por cima, sou interrompido por um bug que acontece sempre naquele local e que faz com que o ângulo da câmara suba ainda um pouco mais. Peço desculpa por essa dificuldade técnica. De resto, a coisa corre bem, sem erros de condução e permite de facto uma percepção aproximada do poder terrível destes automóveis.

Boa viagem.