terça-feira, junho 29, 2021

União Internacional dos Ciclistas em Queda Livre.

Enquanto a UCI anda preocupada com questões patéticas como a poluição, num desporto que não pode ser mais ecológico, e a inclusão de género, embora as audiências mostrem que ninguém quer ver senhoras em esforço em cima de uma bicicleta, a modalidade está cada vez mais perto do abismo por causa de um problema que continua teimosamente ignorado por dirigentes e organizadores das provas: as quedas.

Nas primeiras três etapas do Tour, já aconteceram para aí umas seis ou sete, todas elas arrepiantes e todas elas com impactos muito negativos na integridade física dos atletas e no interesse desportivo da prova.

Na primeira etapa deram-se duas quedas a alta velocidade que envolveram uma quantidade enorme de ciclistas, a primeira provocada por uma rapariga que deve ter algum atraso mental, literalmente, a segunda por a estrada ser demasiado estreita para um pelotão assim tão nervoso, assim tão veloz:

Hoje, na terceira etapa, contámos quatro aparatosas e brutais quedas, envolvendo figuras importantes do pelotão:



Não é propriamente que eu alimente um desejo louco que a UCI intervenha nas regras da modalidade para evitar este flagelo do ciclismo contemporâneo. Sei bem que as medidas que esta disfuncional organização iria inventar seriam sempre no sentido da idiotia e da destruição do espectáculo. Mas a verdade é esta: dada a competitividade feroz e as velocidades insanas do ciclismo profissional de primeiro escalão que se registam actualmente, alguma coisa tem que ser feita porque de cada vez que os ciclistas partem para uma etapa estão a arriscar a vida em probabilidades mais altas do que os pilotos de Fórmula 1 ou coisa que o valha.

Muitas das quedas decorrem de situações de corrida ou condições meteorológicas que são próprias do desporto, que é arriscado por natureza, como descidas atacadas à chuva, por exemplo, ou disputas entre sprinters. Este tipo de situações não pode nem deve receber mexidas organizacionais. Mas outras situações há que podem ser evitadas sem qualquer prejuízo para o espectáculo desportivo, das quais enumero três: comportamentos ensandecidos do público, finais de etapas mal desenhados e pensamento táctico das equipas que, sendo teoricamente correcto, aumenta o risco de acidentes.

No primeiro caso é imperativo que nas zonas onde exista maior aglomeração de fãs à beira da estrada as organizações das grandes provas invistam mais tempo e dinheiro em grades protectoras. Independentemente das dificuldades logísticas daqui decorrentes, é algo que tem mesmo que ser feito. Da condição humana faz parte integrante o atraso mental e contra o atraso mental convém utilizar os proverbiais coletes de forças que forem necessários.

No segundo caso, as etapas planas, que terminam com pelotões compactos a circular a 70 e 80 à hora não podem, nos últimos quilómetros, incluir estradas estreitas e sinuosas. Mas não podem mesmo. É uma espécie de roleta russa que não é admissível. Qualquer pessoa que gosta de ciclismo sabe que, actualmente, a probabilidade de uma queda colectiva, grave, na fase terminal destas etapas, é enorme. Eu diria que é uma probabilidade de 1 em 3. Não pode ser. Tanto mais que hoje em dia as grandes cidades europeias têm eixos rodoviários largos que possibilitam o acesso descongestionado aos centros urbanos. As voltas de 3 semanas têm, no máximo, cinco ou seis chegadas ao sprint. É só escolher cidades com condições óptimas para estas chegadas. Não pode ser tão difícil assim.

O terceiro problema é redundante. O ciclismo contemporâneo é eminentemente estratégico e a posição de uma equipa nos últimos quilómetros de uma etapa que termine ao sprint é fundamental para a boa prossecução dos seus objectivos. Mesmo as equipas que não têm interesse em ganhar etapas planas (geralmente as que estão lá para lutar pela classificação geral mais do que para ganhar etapas) procuram estar na frente do pelotão precisamente para evitarem o risco das quedas. É claro que esta situação aumenta ainda mais a probabilidade dos trambolhões porque as 20 equipas do pelotão não cabem todas na frente, principalmente em estradas estreitas. Ora, seria completamente aceitável que, nestas etapas, os tempos fossem neutralizados a, digamos, 10 ou 20 kms da meta (em vez de apenas 3kms como acontece agora), de forma a que quem quisesse disputar o sprint fosse para a frente e quem nisso não tivesse interesse desacelerasse, descongestionando o grupo e diminuindo assim a margem de risco. Não vejo como isto seria prejudicial para a competição, sinceramente.

É que se nada for feito, vamos começar a ver atletas morrer, ao vivo, nas estradas das grandes voltas e a um ritmo impressionante.

Se bem julgo as cabecinhas neandertais da UCI é isso que vai ser preciso para que as coisas mudem. Mas, lá está, as medidas tomadas no pânico da situação não vão ser ponderadas. Não vão ser inteligentes. Não vão proteger o desporto. Vão sacrificá-lo em nome de valores securitários.

Está-se mesmo a ver.