terça-feira, agosto 31, 2021

Afeganistão ou a falência de tudo.

The last U.S. soldier to leave Afghanistan – Major General Chris Donahue, commander of the 82nd Airborne Division


Depois de recolherem cerca de 75 mil refugiados e 6 mil americanos (menos de 10% da população transportada) os Estados Unidos concluíram hoje uma catastrófica guerra de duas décadas e a mais desastrosa retirada desde que mantemos registo de humilhações militares, quando o Major-General Christopher Donahue, comandante da 82ª Divisão Aerotransportada do Exército, e o embaixador Ross Wilson, descolaram na segunda-feira, 30 de Agosto de 2021, do aeroporto internacional da capital afegã, no último jacto cargo C-17 dos EUA.

Conseguiram ainda assim deixar centenas de cidadãos americanos à sua sorte. Que será, certa e rapidamente, a morte.

A morte, por exemplo, através de enforcamento, utilizando os bons dos talibans para esse magnífico efeito alguns dos trinta e três UH-60 Blackhawk que os invasores deixaram, gentilmente, para trás, entre biliões de dólares de restante equipamento militar.

Logo depois deste abandono histórico, que entretanto já tinha custado a vida a 170 civis e 13 militares (mais soldados do que tinham morrido nos últimos dez anos no Afeganistão), aconteceu o previsível e o previsível é a barbárie: entre vários relatos de euforia facínora, já circulam na web rumores de que os talibãs decidiram entreter a noite de ontem e a madrugada de hoje com assassinatos porta a porta, que é um género de justiça muito apreciada por esta malta tolerante e civilizada.

Outros prováveis tripulantes dos Blackhawk com um bilhete de ida apenas serão os músicos que tiveram a infelicidade de permanecerem neste território maldito: os talibãs já decretaram que a música é agora proibida no Afeganistão e começaram por executar um popular cantor folk precisamente por ser um popular cantor folk.

No seu monólogo de hoje, Tucker Carlson aproveita a boleia do caso do Tenente Coronel Stuart Scheller, de que já falei aqui, para pedir responsabilidades pela falência total de tudo: da competência, da honestidade, da honra, da coragem, da moral. É que o corajoso marine, que entretanto resignou, foi imediatamente punido por exigir que as chefias se responsabilizassem pelo desastre. Mas no Pentágono, no Departamento de Estado e na Casa Branca não há ninguém com a decência necessária para o assumir. Com a decência necessária para uma cartinha de demissão. Ou até, muito simplesmente, para apresentar desculpas ao povo americano, ao povo afegão, aos aliados internacionais. Nada. Os líderes de topo têm consistentemente actuado como se esta fosse a mais bem sucedida das evasões. Não foi, de todo.



Mas muito para além da necessária responsabilização dos intérpretes deste circo de horrores, há que reflectir sobre o assustador nível de incompetência com que somos confrontados. Será credível que mega-aparelhos de inteligência como a CIA, a NSA e os serviços secretos militares americanos tenham falhado desta monumental maneira? Será possível que a mais poderosa máquina militar da história da humanidade tenha sido ridicularizada por umas quantas tribos medievais que exploram umas quantas plantações de papoilas? Não haverá aqui uma fenemenologia mais complexa? Mais sinistra?

Um tema especulativo que ficará para outro post.