sábado, dezembro 04, 2021

"I Don't Wanna Set The World On Fire"



Este célebre teaser do Fall Out 3, de 2013, é um bocadinho arrepiante porque está carregado de um tom profético que é difícil de digerir.

A verdade é que apesar de vivermos num mundo obcecado com a segurança, apesar da prosperidade, recordista na história humana, e que é sintomática do século XXI, o prenúncio de hecatombe é hoje mais intenso e intrusivo sobre a consciência colectiva do que nunca. Não me lembro, mesmo em plena Guerra Fria, de ter esta convicção tão aguda, tão palpável, que há qualquer coisa de profundamente errado, de factualmente ameaçador que circula na atmosfera civilizacional.

Parte desta sensação de fim dos tempos relaciona-se necessariamente com a cultura pop, que faz o constante elogio cinemático e mediático dos cenários pós-apocalípticos. Mas essa vertente cultural deriva naturalmente do declínio, evidente no Ocidente, da saúde psíquica e da razão funcional das sociedades e dos indivíduos. Como se a segurança e a prosperidade de que falo caíssem sobre a condição humana não como motores de felicidade mas como factores perniciosos, desreguladores de antigos equilíbrios psicosociais, que promovem perigosas alterações nos fundamentos antropológicos e nos códigos morais das comunidades. A abundância material e a paz estrutural que se vive há muitas décadas no Ocidente têm paradoxalmente levado à mitigação dos valores que permitiram atingir este patamar civilizacional e à sua desconstrução niilista, que implica disrupções profundas ao nível do que entendemos por género sexual, nacionalidade e etnia, mérito profissional, convicção religiosa, direitos constitucionais e, sobretudo, liberdade individual. 

Estas disrupções têm sido irresponsavelmente patrocinadas por aqueles cujo dever máximo seria precisamente o de preservar as instituições materiais e imateriais da tradição judaico-cristã: os líderes políticos e religiosos, os formadores da opinião, as corporações económicas, os agentes académicos. Acontece que a destruição do mais bem sucedido modelo civilizacional da História tem sido feita de forma abertamente autoritária e declaradamente contra a vontade da classe média, que as elites pretendem tornar insolvente e irrelevante. Esta circunstância liberta para o futuro os piores presságios, já que, historicamente, as rupturas regimentais e civilizacionais só triunfam contra a classe média quando têm um carácter despótico e espoletam graus máximos de violência sobre as populações. Ao contrário, as revoluções bem sucedidas e que fomentam a perseguição da liberdade e da prosperidade são precisamente interpretadas - ou manipuladas - pela média burguesia, cujos valores não radicais, liberais e tolerantes permitem transições mais ou menos pacíficas para novos modelos conceptuais de organização política, social e económica.

Nos Estados Unidos da América, esta tensão entre o bom senso liberal da classe média e o vanguardismo radical das suas elites é mais evidente do que em qualquer outra geografia. E fala-se hoje à boca cheia da guerra civil que ninguém quer e da secessão que ninguém deseja. Mas que todos, à esquerda e à direita do espectro ideológico, suspeitam inevitável. Dificilmente porém a divisão da federação será realizada sem sangue, sem lágrimas e sem misérias.

É que ninguém de bom senso quer incendiar o mundo. Mas isso não quer dizer que o incêndio seja evitado. E se a América arder, todos seremos vítimas desse fogo apocalítico.