“The attempt to make heaven on earth invariably produces hell.”
Karl Popper . The Open Society and its Enemies
Desde o surgimento dos movimentos totalitários da primeira metade do século XX, muito se tem escrito sobre esta forma opressora, mecanizada, burocratizada e assassina de governo e milhões leram os romances distópicos e as alegorias visionárias de Zamiantine, Orwell e Huxley. Mas é muitas vezes negligenciado o facto de que o totalitarismo é, mais do que apenas um sistema político, um culto religioso que está agora a evangelizar meio mundo, a uma velocidade recordista e com uma ferocidade que não se via desde os anos 30.
O totalitarismo partilha muitas características com as religiões convencionais. Enquanto o Cristianismo, por exemplo, é edificado com base na crença de uma futura era dourada e redemptora, que será iniciada com a segunda vinda de Cristo, os movimentos tirânicos substituem a fé na redenção divina que transforma o mundo pela crença de que a humanidade pode recriá-lo e uma nova era de ouro pode ser construída sob a direção omnisciente, omnipresente e omnipotente do Estado.
Nos movimentos totalitários do passado, esta era dourada foi imaginada como a supremacia da raça, ou a utopia igualitária comunista e era personalizada por líderes carismáticos e niilistas, espécie de profetas modernos, que corporizavam uma ideia de transcendência.
Hoje essa "idade de ouro" totalitária é aquela em que a humanidade é subjugada a um complexo sagrado de axiomas científicos, tecnológicos, ecológicos, securitários e equalitários, que não carece do protagonismo de líderes / profetas já que é propagado como avanço civilizacional e dever moral cuja implementação, desenvolvimento e controlo cabe aos cidadãos; mas também porque é na verdade orquestrado por oligarquias que se escondem no anonimato dos conselhos de administração das grandes corporações, nas sombras dos corredores do poder burocrático, no bulício indiferenciável das redacções e dos centros de processamento e manipulação digital da informação.
Estas visões utópicas estimulam o entusiasmo religioso das massas e os oligarcas usam essa fé cega para convencer a população de que o fim utópico justifica qualquer meio - vigilância apertada, controlo do pensamento e do discurso, censura, opressão generalizada, prisão em massa, ou mesmo o extermínio de grupos de dissidentes ou de religiões concorrentes.
Neste ensaio da Academy of Ideas, o paralelismo entre a fé em Deus e o credo do Estado é levado a uma pertinente consequência: perante a sua ascensão totalitária como ente transcendental, devemos reconhecer que a escolha não é entre aceitar a tirania e viver uma vida fácil ou resistir e convidar dificuldades desnecessárias. A tirania é a mais arriscada das escolhas, pois encontra falso fundamento na ingénua esperança de que desta vez tudo seja diferente, que desta vez o poder não corrompa políticos e funcionários do Estado, que desta vez o monstro totalitário não devorará os seus filhos, num inferno feito pelo homem na Terra.