segunda-feira, janeiro 17, 2022

Cultura e contracultura.

"Enquanto pretexto, a Covid sumirá não tarda. Infelizmente, o seu legado de trevas vai reaparecer a cada brecha: a supressão da dissidência não é reversível a breve prazo. A contracultura morreu. E a cultura mete medo."
Alberto Gonçalves . A Covid matou as estrelas da rádio . Observador


É verdade que a cultura actual é confortavelmente dominada pela esquerda globalista e sua volição autoritária. É verdade que a contracultura é, nos invertidos tempos que correm, um imaginário da direita cristã, populista e libertária, e assim sendo pode parecer morta, porque é manietada e obliterada de todas as formas possíveis e imagináveis. Mas, se nos abstrairmos da realidade mediática Portuguesa, onde de facto escasseiam as vozes dissidentes, não me parece que a produção contracultural esteja defunta.

Mesmo no âmbito do entretenimento mainstream, podemos encontrar um novo punk rock, como em 2020 observámos com "Joker", o manifesto desalinhado de Todd Phillips. E como observamos quotidianamente no Kdrama, ressurreição da televisão romântica, púdica e virtuosa; na arte do meme, que foi raptada por evangelistas devotos e libertários da Segunda Emenda; em certos canais dos servidores de conteúdos vídeo da web, em portais de jornalismo clandestino como o Substack e em nichos mais obscuros do diálogo digital, que se encontram no Reddit ou no 4chan.

Ademais, parece escapar ao atento Alberto Gonçalves que a contracultura de há 40 ou 50 anos atrás tem pouco em comum com a actual. Em certo sentido podemos até afirmar que a valorização da família ou da tradição judaico-cristã faz parte do novo ideário contracultural, por exemplo. Um bispo que difunde as suas homilias no Youtube é hoje uma figura alienígena como Johnny Rotten e um sénior que disserta, sentado à lareira, sobre as virtudes da tradição judaico-cristã é esquisito como Ian Curtis e o ex-lutador que mudou de carreira para encetar maratonas dialécticas com dissidentes regimentais e renegados do sistema é um herói psicadélico como Andy Warhol.

Quando James Tour explica que a biologia contemporânea está obrigada a considerar que não há vida sem um acto criador, o carismático nano-engenheiro doutorado em Standford passa rapidamente a ganhar o estatuto de Sid Vicious do planeta académico.

Michel Houellebecq é uma espécie de Sartre do Século XXI. Jordan B. Peterson é o novo profeta que vai desmantelar a Matrix. Matt Walsh, rei do trolling, que sendo adversário militante das políticas de identidade e de género consegue escrever um conto infantil que na Amazon encabeçou a lista de vendas de livros LGBT; Andrew Lawrence, o comediante inglês que foi arruinado por se atrever a ridicularizar o regime; Paul Joseph Watson, o lutador da arena mediática que é odiado por toda a gente que ocupe um lugar de poder nas instituições britânicas, e muitos outros renegados como estes, perfazem um universo clandestino de agitadores e marginais, panfletárias formas humanas de produzir cultura alternativa.

Todos partilham porém uma vontade de regresso. Enquanto os movimentos contraculturais do anos 60 e 70 e 80 procuravam a vanguarda, numa tentativa tipicamente progressista de acelerar o tempo, os actuais procuram a retaguarda, num esforço conservador para travar a marcha da história. 

E porque a marcha da história parece ter como destino mais um ciclo totalitário, a contracultura do século XXI define-se como uma proposta de retorno às liberdades sagradas e individuais, aos costumes de base antropológica ou constitucional, aos credos e aos valores morais de uma era que se perdeu, numa viagem retro que terá os seus problemas epistemológicos, claro, mas que se entende como uma reacção, no sentido político da palavra.

Alberto Gonçalves está certo em muito do que escreve no artigo de que cito a conclusão. Mas precisa de mergulhar mais fundo para chegar à vida submersa que afirma extinta.