Uma guerra com a Rússia, inventada à pressa e para a qual só os russos estão na verdade preparados, será sempre um evento devastador. Ainda assim, há quem a deseje loucamente. Precisamente por ser um evento devastador.
Nos Estados Unidos, democratas e republicanos, a Casa Branca e a CIA, a imprensa e o Pentágono, os conglomerados industriais e os senhores do universo, as celebridades de Beverly Hills e os humoristas do regime, todos parecem concordar que as fronteiras da Ucrânia são limites sagrados, cuja violação justifica o apocalipse termonuclear. Talvez porque grande parte deles tem garantida, por fortuna ou profissão, uma alta taxa de sobrevivência a um eventual apocalipse nuclear. Talvez porque tempos de guerra são momentos de restrições excepcionais, de mandatos excepcionais, de agendas radicais, de autoritárias interrupções à lei constitucional, de acumulação e usurpação do poder político e económico.
Em Inglaterra, Boris Johnson profere impropérios de toda a ordem contra a ameaça do Kremlin aos interesses britânicos, sabe-se lá quais nem isso interessa realmente desde que a manobra sirva para distrair e aterrorizar as massas enquanto se redireciona a atenção dos conservadores da Casa dos Comuns para causas mais prementes do que a dissensão institucional. De acordo com a actual cartilha de Boris, esta é a primeira regra da política: faz tudo o que puderes, inclusivamente a guerra, para conservares o poder.
Em Pequim, o Comité Central aproveita o descalabro do Ocidente para estabelecer com Putin a mais perigosa aliança da história do pós-guerra (só mesmo Joe Biden é capaz de criar condições óptimas à historicamente raríssima convergência de interesses entre russos e chineses), fazendo figas por um conflito que só beneficiaria os seus objectivos últimos de domínio hegemónico à escala global.
No World Economic Forum, o culto cumpre os seus rituais marcianos: depois da pandemia será sempre bem vinda uma nova onda de destruição civilizacional, que abra incontestadas alas para o Great Reset.
E aqueles que se mostram mais hesitantes ou que discordam abertamente da narrativa oficial são, como sempre, racistas, terroristas, homofóbicos, espiões de Putin e/ou... alemães. Estes últimos não são dissidentes por lucidez ou especial inclinação pacifista, claro: há muito que decidiram entregar o seu sector energético aos caprichos de Vladimir e correm o risco do colapso funcional da nação no caso de um conflito com a Rússia (a Alemanha faz parte da NATO).
Quando todas estas forças esticam a corda para o mesmo lado, e considerando que o presidente russo não é homem para perder a face, a hipótese de eclosão factual de um conflito bélico não é assim tão disparatada como isso.
Já se começaram guerras mundiais com vontades mais tímidas. E por razões ainda mais difusas.