segunda-feira, março 28, 2022
Lâminas para fazer a guerra cultural.
Esta história conta-se num instantinho e vale a pena perder um instantinho com ela: a Harry's Razors é uma popular embora cara marca de lâminas de barbear. Durante anos publicitava as suas linhas de produto nos conteúdos do Daily Wire, um dos mais bem sucedidos media da direita conservadora americana, criado e liderado por Jeremy Boeiring, que nas suas múltiplas plataformas digitais reúne dezenas senão centenas de milhões de potenciais consumidores e cuja principal figura mediática é Ben Shapiro (embora a minha preferida seja Matt Walsh).
Aqui há coisa de um ano atrás, a Harry's Razors deixou de anunciar no Daily Wire. Até aqui tudo bem. As marcas anunciam e deixam de anunciar os seus produtos nos meios que bem entendem em função de critérios como custo/benefício, ajuste do targetting, restrições orçamentais, reposicionamento do branding, etc. O problema é que a marca de lâminas de barbear tornou público que abandonava a relação que mantinha com o Daily Wire não por motivos financeiros ou mercantis, mas por razões políticas, declarando que a organização de Boeiring mantinha "pontos de vista inaceitáveis sobre o género" e promovia um "discurso de ódio".
Um ano depois, Jeremy Boeiring faz isto:
Para além do carácter mimético, espampanante e meio genial desta produção (atenção que, para além do óbvio meme, a marca Jeremy's Razors existe de facto e vende efectivamente lâminas de barbear); para além de não me considerar propriamente um fã maluco do Daily Wire (com excepção de Matt Walsh, considero o projecto excessivamente elitista e blazé para a minha sensibilidade política e estética), há um ponto em que concordo completamente com Boeiring: quando a cultura é dominada pelo movimento radical woke e quando o capitalismo se dedica a doutrinar os consumidores na ideologia da esquerda globalista, compete àqueles que não se identificam com esses valores - e que detêm poder financeiro e plataformas mediáticas para ir à luta - a edificação de sistemas culturais e económicos alternativos, que respondam à procura por parte dos consumidores conservadores e combatam a hegemonia dogmática das forças inimigas.
Porque a cultura e a economia precedem e fundamentam a realidade política, a guerra ideológica dos tempos que correm trava-se precisamente nas escolas e nas universidades, nos estúdios de cinema e nos conselhos de administração das empresas, nas galerias de arte e nos lineares de supermercado. Jeremy Boeiring sabe disso e o Daily Wire já produziu entretanto 3 filmes e vários documentários, recrutando actores desalinhados como Gina Carano e comediantes dissidentes como Adam Carolla, competindo assim directamente com Hollywood e a Netflix, gigantescas máquinas de propaganda woke. O combate é, claro, de David contra Golias. Mas alguém tem que o travar.
Na altura em que escrevo estas linhas, a Jeremmy's Razors, que está no mercado há pouco mais que 3 ou 4 dias, já vendeu para cima de 25.000 kits de lâminas de barbear. E a conta do Twitter da marca tem cerca de dez vezes mais seguidores do que a Harry's Razors.
Daqui se conclui que, para além da batalha de valores culturais, morais e ideológicos que é urgente levar a cabo, há dinheiro a ganhar com o mercado conservador.
Boas notícias, portanto.
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Para quem quiser ficar por dentro do pensamento de Jeremy Boeiring sobre este assunto, ele explica-se, bem, neste clip: