terça-feira, abril 05, 2022

O passarinho azul não é domesticável.


Tucker Carlson também parece optimista em relação à aquisição de uma brutal percentagem de acções do Twitter,  que exigiu um investimento de quase 3 biliões de dólares, realizada ontem por Elon Musk. E este optimismo surpreende-me num homem inteligente, experimentado e conhecedor dos interstícios do poder nos Estados Unidos da América. Num excesso de entusiasmo algo infantil, Tucker consegue até sugerir que o patrão da Tesla e da Space X não objectiva ganhar dinheiro com esta operação porque já é o homem mais rico do planeta, olvidando que é precisamente por querer e saber ganhar muito dinheiro que Musk é o homem mais rico do planeta. Uma coisa acontece invariavelmente com os ricos: têm sempre mais vontade de ganhar dinheiro do que os outros todos.

E como os factos não querem saber da ingenuidade do Tucker Carlson, há um que grita: com a operação de aquisição, Elon Musk lucrou cerca de 750 milhões de dólares. O dobro dos resultados líquidos do Twiter nos últimos 3 anos (!), porque o simples facto de ter começado a comprar quantidades industriais destas acções, valorizou-as loucamente.

O instinto puramente capitalista de Musk não deve surpreender ninguém: o homem já por várias vezes demonstrou que investe e desinveste em função de interesses estritamente materiais e sem qualquer nexo com valores libertários, como todas as suas acções no âmbito das criptomoedas exemplificam lindamente. Esse instinto é apenas normal e até louvável (ainda bem que há gente que sabe ganhar dinheiro neste mundo). O que não é normal nem louvável é fingir que esse instinto não está presente neste investimento específico.

Mais a mais, Elon Musk dificilmente será um guerreiro da liberdade: é um dos maiores amigos que a China tem nos Estados Unidos. Dificilmente será um cruzado da tradição judaico-cristã: está a investir seriamente em tecnologias que visam transformar e digitalizar o ser humano. Dificilmente será um exemplo de integridade: fez grande parte da sua fortuna a vender ao mundo a ideia que os carros eléctricos são ambientalmente neutros e energeticamente sustentáveis, quando é claro que não o são.



Reconheço que o facto de Musk ter assumido já hoje um assento no conselho executivo do Twitter é uma demonstração de que tem intenções de abanar o barco. Mas o primeiro tweet como membro da direcção da empresa não foi uma manifestação a favor da liberdade de expressão. Esse tweet limitou-se a perscrutar a audiência sobre a pertinência de um botão de edição do post depois deste ser publicado, uma velha queixa dos utilizadores sobre a operacionalidade técnica do website.

Este cargo de capacidade executiva oferecido a Elon Musk também devia fazer pensar Tucker Carlson. É a moeda de troca para que Musk não compre mais acções, obviamente. Mas também é um portal para o palácio celeste dos senhores do universo. Um sítio de onde ninguém sai inocente.

É claro que espero estar errado. É claro que em muitos facetas da sua personalidade pública, Elon Musk é um bilionário diferente dos outros, um homem de virtudes evidentes, dissidente figurinha e engenheiro genial, espécie de Howard Hughes do século XXI, mas com o mérito de não ser literalmente louco e de manter algum sentido de humor.

Só que esta batalha pelo Twitter, no sentido de alterar a sua natureza pidesca, está perdida à partida. Musk pode e vai ganhar dinheiro com a empresa. Pode e vai influenciar algumas das suas decisões estratégicas. Pode e vai chatear e incomodar muito boa gente. Pode e vai provocar alterações ao algoritmo. Mas dificilmente poderá anular o seu código genético. Tinha que despedir os quadros todos que lá ganham a vida. Tinha que reduzir o algoritmo a cinzas. E não creio que o rapaz tenha comprado quase um décimo do Twitter para o destruir.

Infelizmente.