Parece que há uns palermas aglomerados numa organização ironicamente apelidada de Economist Intelligence Unit (EIU) que se dedicam a mensurar a saúde da democracia no mundo. Deve ser um trabalho bastante deprimente porque é claro que a democracia não só está gravemente doente, como é minoritária: de acordo com o labor da EIU a maior parte dos seres humanos no planeta (54,3%) não experimentam as suas virtudes e apenas 5,4% da humanidade parece confortavelmente instalada em democracias plenas.
Ou mais ou menos, porque este mapa é falacioso de uma ponta à outra e não sobrevive ao cuidado breve de uma segunda leitura. Não sei qual o método de validação dos cinco critérios anunciados em rodapé na infografia, mas sei que estão certamente infectados por erro e preconceito. O Canadá, a Austrália e a Nova Zelândia só são democracias plenas na terra do nunca ou para quem se enfiou num caverna socrática nos últimos 3 anos. A África do Sul é um país mais democrático que a Polónia? Sim, num planeta imaginário. A Índia, uma sociedade eugénica, estruturada por castas, pode ser considerada uma democracia? Pode, na cabecinha doida desta gente maluca. E porque ensandecida razão se considera que estão instalados na Suécia e no Uruguai regimes mais democráticos do que em França ou no Reino Unido, respectivamente? Haxixe de má qualidade ou whisky em excesso, só pode.
A ideia, acarinhada por um certo bem pensar da esquerda, de que os países nórdicos são uma espécie de paraíso político, éden gelado onde triunfa a liberdade, a tolerância e a diversidade, não compagina com as altas taxas de suicídio, que são históricas, o uníssono dos media e do discurso político, que têm décadas, e os assustadores índices de criminalidade urbana, que transformaram a Suécia contemporânea num dos países mais perigosos da Europa. Por exemplo.
Para além dos duvidosos valores atribuídos às democracias, a classificação das regimes híbridos e totalitários é também deveras discutível. A Bielorússia apresenta mais ou menos a mesma classificação que a China, e a Turquia do tirano Erdoğan é aparentemente um estado mais progressista que a Rússia. O activismo anti-moscovita é aliás e não surpreendentemente flagrante, embora deva confessar que comigo não pega: se me obrigassem a escolher entre viver em dois infernos - o Canadá de Trudeau ou a Rússia de Putin - nem por um momento hesitaria em escolher o último.
Este índice é na verdade e apenas um mal fabricado documento propagandista. E nesse sentido, um esforço contraproducente: porque quanto mais objectos fraudulentos deste género forem fabricados, menos democracia conseguimos produzir.