domingo, maio 29, 2022

Haikus do Alto da Falésia (cont.)





Na doca oscilam pequenos iates
De marés antípodas.
Marinheiros com testículos.



O Atlântico é sem fundo nem fim
Como a preguiça que há em mim.



A fragata levanta a âncora.
Assustam-se as gaivotas.



Passa uma traineira a todo o vapor.
Leva pressa de sardinhas.



Portugal.
Não é só o substantivo próprio
Que é belo.



Tenho um grande amor pelo meu país:
Mesmo sem conhecer os outros.



Não sou viajado.
Mas fiz muitas milhas
Na companhia aérea da literatura.



Uma garrafa de Rosé
E trezentas páginas de Dostoievsky.
É viagem suficiente.



As personagens de Dostoievsky
Já precisavam de um divã
Antes de Freud ter nascido.



Desde que cheguei à baía
Já escrevi para cima de cinquenta haikus.
Aproveitam-se dois ou três.



Escrever dezenas de haikus
Para acertar um.
Não há mal nisso.



Carlitos Alcaraz:
O ténis é divertido.



Música.
A restante sonoplastia
Emudece.



Ponho o Bach a tocar.
Deus agradece e retribui
Com carinhos paisagísticos.



Ficar a sós, nesta varanda.
Um dos meus programas preferidos.



Convido um amigo para jantar.
Só depois de uns dias a sós
Sabes apreciar a boa companhia.



Ser de companhia não é um dever.
É uma concessão.