terça-feira, maio 24, 2022

Secretariat: Breve Elogio do Cavalo Rei.


9 de Junho de 1973. Depois de ter ganho a 5 de maio o Kentucky Derby com o melhor tempo alguma vez registado nesse hipódromo, e de ter vencido 15 dias depois o Preakness Stakes, batendo o recorde dessa corrida, Secretariat prepara-se para conquistar, na célebre milha e meia de Belmont Stakes, a Triple Crown, tríplice sagrada das corridas de cavalos, inalcançável desde 1958.

Apenas 5 cavalos comparecem à partida e o Big Red é claramente o favorito apesar da presença de My Gallant e de Sham, os mais nobres rivais na curta duração da sua carreira. Secretariat faz o primeiro terço do traçado atrás de Sham, abrindo logo uma distância grande para My Gallant, mas quando decide arrancar é para deixar registada nos anais a mais épica cavalgada da história dos desportos hípicos. O passo amplo e fácil, o ritmo crescente e vertiginoso, a elegância transcendente, a vaidade e o orgulho de um cavalo que não precisava de jockey, deixam os 70 mil espectadores presentes no recinto e os 50 milhões que estavam pregados à transmissão televisiva da CBS, num êxtase de quem assiste a um fenómeno único, muito para além dos limites daquilo que se considerava possível. Quando Secretariat termina a sua corrida para a eternidade, tem 31 corpos de vantagem sobre o segundo classificado, My Gallant, a maior margem de vitória na história desta corrida. O tempo de 1:34:20 não é apenas o recorde deste hipódromo, é também a melhor marca de sempre nesta distância em pista de terra. Nenhum outro cavalo até hoje cumpriu a milha e meia assim: como um Deus.



Há na história deste cavalo mítico detalhes ensandecedores: lento e quase preguiçoso nas partidas, Secretariat gostava de correr de trás para a frente e era quase sempre mais rápido no fim das corridas do que no seu princípio. Detestava perder e só somou duas derrotas, uma delas por desqualificação, depois de ter chegado em primeiro lugar. Era obstinado e desobediente. Exigia ser ele a escolher o momento de atacar e quando correr por fora ou por dentro. Se observarmos com atenção o comportamento de Ron Turcotte, o jockey que o levou às grandes vitórias, percebemos porque é que nas corridas de cavalos os jockeys têm tão pouco protagonismo e o caso do Big Red é paradigmático: quem toma as decisões é o cavalo. Quem pensa tacticamente é o cavalo. Quem acelera o passo ou modera o ritmo é o cavalo. Quem exibe a sua astúcia e a sua determinação é o cavalo. Tudo o que Ron Turcotte tinha que fazer era tentar manter-se em cima do seu amplo e nobre dorso de atleta olímpico. O cavalo ganha as 3 corridas do Triple Crown sem que o cavaleiro precise de o incentivar com puxões de rédea ou violências de chibata. É deixá-lo ir, veloz e fluido como o vento; dinâmico e poderoso como uma máquina de destruir distâncias.



Magnífico puro sangue que em apenas duas épocas de competição recolheu títulos atrás de títulos e honras sobre honras, vencendo 14 grandes prémios antes de fazer 4 anos de idade, Secretariat será, ainda por cima, o mais belo cavalo de corrida que alguma vez pisou um hipódromo. De dimensões impressionantes, proporções harmoniosas e exuberantemente musculado; resplandecente, altivo e fotogénico, o Big Red gostava da atenção mediática e adorava as câmaras, exibindo-se com galopes súbitos e tropelias várias quando percebia que estava a ser filmado ou fotografado.

Depois da sua morte, em 1989, Secretariat voltou a surpreender o mundo quando os veterinários descobriram que o seu enorme coração não era uma metáfora: pesava dez quilos e era duas vezes e meia maior do que aquilo que é normal num cavalo de corrida.



Nascido para a glória, Secretariat é o o cavalo rei dos hipódromos, tempestade equestre, veloz vendaval e esbelto monumento que a mãe natureza e o cuidado humano esculpiram em triunfal simbiose.