terça-feira, agosto 09, 2022

A queda.

A prova provada que os Estados Unidos da América são hoje uma federação de regime tendencialmente ditatorial, é ilustrada pelo raid do FBI à residência de Donald Trump, que aconteceu ontem à noite, sem uma acusação formada nem qualquer informação pública sobre os motivos da rusga para além de vagas referências a omissos documentos referentes à sua presidência. Nunca nada deste género aconteceu na história do país. A suspensão do sistema constitucional e instrumentalização do Departamento de Estado, do sistema judicial, da CIA e do FBI para fins de perseguição política atingiu neste momento o seu apogeu.


O episódio é também eloquentemente demonstrativo que a direita americana não tem poder institucional, nem civil, e que não há qualquer movimento miliciano organizado, como a Comissão de 6 de janeiro do Congresso e a imprensa mainstream querem fazer acreditar. Se os conservadores e os populistas não estivessem perdidos na sua cobardia, no seu oportunismo, no seu conformismo, na sua impotência, esta rusga nunca teria acontecido. E a ter acontecido, teria consequências incalculáveis na estabilidade e viabilidade da nação.

Tudo o que o velho Donald conseguiu fazer, perante o exército de polícia política que lhe entrou pelo palacete da Flórida a dentro, foi redigir esta declaração, própria de um ex-presidente fragilizado e de queixo caído, que até dá pena e que neste momento não é mais que uma vítima das circunstâncias.


Muitas vezes aqui escrevi, aliás, sobre esse sentimento de comiseração que experimento quando vejo nas redes sociais a direita americana reclamar por vitórias inexistentes, sonhar com regressos sebastiânicos, projectar reacções contra o sistema totalitário vigente que nunca acontecem, proclamar ultimatos sem consequência. Não percebem que já há muito perderam o país que amavam. Esses Estados Unidos da livre iniciativa e do livre arbítrio, da prosperidade em função do mérito, do Estado servo do Cidadão, pátria onírica de ambições individualistas e transcedências colectivas, caldeirão cultural e apesar disso funcional, se alguma vez existiu, não existe de todo agora e jamais no Século XXI, isso é certo.

A direita americana adora perder. Está viciada em perder. Um gritante exemplo disso, suprema ironia, é que o actual director do FBI, Chistopher Wray, foi nomeado pela administração Trump. Em vez de drenar o pântano, como tinha prometido, o ex-presidente promoveu as suas criaturas a cargos de poder máximo (aconteceu o mesmo com Mike Pence, com Anthony Fauci, com Bill Barr e etc.), e esse poder máximo é agora usado para o perseguir. A realidade vampiriza a ficção, sempre.

O domínio do aparelho democrata sobre a Federação é total. Do Pentágono às instituições judiciais, da imprensa às máquinas de entretenimento, dos aparelhos de repressão policial aos serviços de inteligência, do capitalismo corporativo aos monopólios dos sistemas de informação, não há um eixo de poder executivo, legislativo, militar, cultural, industrial ou tecnológico que esteja fora do âmbito e do controlo dos apparatchiks de Washington.

No Congresso, as bancadas republicanas têm servido os interesses desses poderes instituídos mesmo quando estão em maioria e se é verdade que o movimento populista tem vindo a eleger alguns representantes que recusam o "business as usual" que há décadas foi montado nas duas câmaras, trata-se de uma minoria que nada de substantivo consegue fazer, para além de algum ruído, por sinal bastante inócuo. 

Muito também tenho escrito no blog sobre a hipótese da eclosão de uma guerra civil, ou até de um processo de cessação mais ou menos pacífico, nos Estados Unidos. Mas a verdade, devo reconhecê-la, é que quanto mais é nítida a cisão cultural e política, também mais evidente é o facto de que uma das facções - a que está à direita do espectro - não tem qualquer tipo de ferramentas para concretizar essa volição separatista, e muito menos um conflito militar interno que a permita. 

Não é por acaso que Charlie Kirk, um lúcido líder da opinião conservadora, lançou este aviso, logo depois de ter sabido da notícia da rusga:


Falo de guerra civil no sentido convencional, claro, porque no sentido figurativo, ou cultural, ela já acontece todos os dias. E todos os dias é perdida pelos liberais de centro-direita e pelos conservadores e pelos populistas e pelos cristãos e pelos libertários e pelos muitos milhões de americanos que observam impotentes todos os valores da sua nação aviltados e obliterados, a uma velocidade vertiginosa.

Como acontece na Europa, a América está nas mãos das oligarquias globalistas e do seu projecto distópico e não há muito que possa ser feito, deste lado e do outro do Atlântico, para travar esse movimento totalitário. Os dados foram lançados há muitos anos atrás pelos Obama, os Blair e os Merkle deste mundo, pioneiros criados dos senhores do universo. 

Tudo o que nos resta é rezar por um qualquer evento extraordinário, que altere a termodinâmica deste triste destino.