Somos porém, infeliz e constantemente, confrontados com os insuportáveis tiques politicamente correctos que são típicos dos intelectuais e académicos contemporâneos. E que irritam de sobremaneira. Dou um exemplo: no momento em que o autor descreve a paisagem portuária de Durban, do ponto de vista do menino pessoa, que está a chegar embarcado no vapor Hawarden Castle, Zenith tem um ataque de caspa mental e escreve o seguinte:
"O que Fernando não viu foi os blocos de cabanas em más condições e as choças da vizinha Praça de Bambu, que albergavam os trabalhadores africanos e indianos mal pagos, dos quais dependia a economia do porto."
Ora, caramba, se o Fernando não viu, qual é o interesse para a narrativa biográfica do Fernando a cenografia que não passou pelos seus olhos? Nenhum. Este parágrafo decorre apenas da necessidade, que Zenith manifesta recorrentemente, de carregar um bocadinho mais o fardo do homem branco e de sinalizar as virtudes de plástico dos tempos que correm.
Esta passagem faz-me até lembrar a pior biografia de Pessoa que já li, a do Cavalcanti Filho, que descrevia os bordeis onde o Pessoa não ia e especulava sobre o homossexual que o Pessoa não era. Zenith retrata paisagens que o Pessoa não viu.
Mas àqueles que possam argumentar contra a minha irritação, esclarecendo-me sobre a necessidade de retratar o quadro social e económico do meio ambiente onde Pessoa foi parcialmente educado, faço notar que não há nada de especial ou estranho ou significativo nas favelas sul africanas do fim do século XIX, já que elas continuam a existir hoje em dia. Com colonos ou sem colonos, há sempre desgraçados e miseráveis e espoliados e explorados e marginalizados na África do Sul. Nesse aspecto, cento e tal anos de movimentações sociais, políticas, económicas e tecnológicas não fizeram grande diferença, pelo que a nota anti-colonialista de intelectual ocidental envergonhado é completamente inócua: inócua no contexto da narrativa, da substância biográfica e do fresco sociológico.
Richard Zenith, que entre o momento que acorda e o momento que adormece deve sofrer de mil complexos de culpa por ser branco e anglo-saxónico, esquece-se, no seu fervor ideológico, que o indivíduo que está a retratar não tinha vergonha nenhuma de ser branco e latino. Nem pouco mais ou menos. Que não tinha vergonha nenhuma do passado colonial do seu país. Muito pelo contrário. E esquece-se, na sua incorrecta correcção de sacristia, que não está a escrever uma obra de revisionismo histórico em nome de um ideal de justiça social e da equalização marxista dos povos.
É uma pena.