A etapa rainha da Volta à Itália seria hoje. Teoricamente. Acontece que os ciclistas decidiram que em vez do que estava programado, só deviam correr os últimos 78 quilómetros da etapa. Porque parece que estava frio. E a direcção aceitou, prejudicando o perfil competitivo da prova e o seu potencial de criar espectáculo; desrespeitando os públicos que estavam acampados nas subidas anteriores e atirando para o lixo o seu próprio critério sobre o índice qualitativo da prova que organizam.
Para cúmulo do ridículo, quando toda a gente pensava que, depois de transformada numa crono-escalada em grupo, a etapa 13 seria atacada de princípio ao fim, num sprint alucinante... Ninguém atacou. Quero dizer, para além do francês em final de carreira Thibaut Pinot, e dois sul americanos que aproveitaram a cobardia e desvergonha de toda a gente para darem nas vistas.Mais: desses três personagens, acabou por triunfar Rubio, o equatoriano da Movistar que se limitou a ir no elástico da fuga para conseguir talvez a vitória mais cínica e manhosa da história do Giro.
Se isto continuar assim, com quilómetros encurtados, dificuldades retiradas, ataques inexistentes, emoção de nível zero, espectáculo nenhum e desistências em massa por gripes e cansaços e arranhões e alergias às condições climatéricas, esta edição de 2023 do Giro ficará para sempre como a corrida dos fraquinhos e dos cobardes. E ninguém vai ficar realmente impressionado com o maricas que acabar em primeiro lugar, na verdade.
E João Almeida, que se portou hoje como um rapazinho que só quer mesmo fazer o mínimo necessário para terminar no último lugar no pódio, quando podia perfeitamente, por uma vez na vida, atacar; perdeu toda a consideração que eu até aqui tinha por ele.
Sou sempre o primeiro a defender os ciclistas quando são sujeitos à desumanidade de etapas desumanas e depois são criticados quando recorrem a transfusões de sangue ou a outras "batotas" e, na minha óptica, Lance Armstrong continua a ser um dos mais bravos e bem sucedidos ciclistas da história da modalidade, apesar de lhe terem roubado os títulos por causa do doping, numa altura em que toda a gente no pelotão de elite do ciclismo profissional se drogava loucamente.
Mas se os ciclistas não gostam de sofrer, deviam ter escolhido uma carreira no futebol ou no badmiton ou no snooker ou naquela modalidade de atirar setas a um alvo que se pendura nas paredes dos bares.
E se o ciclismo sem doping é isto, eles que se dopem, por amor de Deus.