segunda-feira, julho 24, 2023

O Tour de 2023 foi grandioso. Em 2024, haverá mais do mesmo.

Terminou ontem em Paris a edição de 2023 do Tour, com a segunda - e consecutiva - vitória de Jonas Vingegaard, o dinamarquês que dominou a prova sem reticências, apesar da luta homérica e renhida oferecida por Pogacar nas duas primeiras semanas da competição.

Pogacar que, já a mais de sete minutos do líder da Jumbo Visma, conseguiu ainda reunir forças para atacar a 20ª etapa - e vencê-la; e que, para espanto geral, quis ainda tentar ganhar a última etapa em Paris, não sai de cabeça baixa.

De facto, o esloveno fez tudo o que podia, num contexto difícil: o rapaz é um romântico da bicicleta. Quer ganhar tudo, quer afirmar-se como atleta completo, que vence desafios de um dia com a mesma ferocidade que triunfa em provas de três semanas e, por isso, sobrecarrega a época com as clássicas dos países baixos, logo na Primavera, tendo ganho este ano, entre outras provas, a Volta à Flandres, a Amstel Gold Race e a Flèche Wallonne. Pogacar, com apenas 24 anos, soma 45 vitórias no seu inacreditável palmarés, incluindo 11 etapas e dois títulos absolutos na volta à França. 

Todo este currículo deixa marcas e implica riscos. Quando corria a Liège-Bastogne-Liège deste ano, o esloveno caiu e partiu o pulso, comprometendo a preparação para o Tour. E isso notou-se, nas duas etapas que marcavam o início da terceira semana da competição: apesar de ter feito um excelente contra-relógio na terça-feira passada, o líder da UAE perdeu mais de um minuto e meio para um estratosférico Vingegaard, que se apresentou, ao contrário do adversário, na melhor forma da sua vida; e, logo no dia seguinte, na etapa rainha do Tour, com 4 difíceis escaladas, a última de categoria especial com mais de 20 quilómetros de extensão, desfaleceu completamente, perdendo seis minutos para Vingegaard e arrumando a questão do título deste ano.

A minha opinião pessoal e humilde é a de que Pogacar é ligeiramente melhor ciclista que Vingegaard e, por certo, um atleta mais completo e espectacular. Mas o futuro poderá provar-me errado, porque o dinamarquês é também um prodígio e está a acontecer no ciclismo aquilo que no futebol aconteceu com Messi e Ronaldo: dois monstros de raro talento disputam a glória e combatem pela eternidade, face a face e em directo para delícia da audiência global.

A edição deste ano foi emocionante e intensa como poucas, talvez não tão bela como a anterior, mas certamente digna de preencher algumas das páginas douradas do grande livro do Tour de France. Momentos houve de épica disputa entre Pogacar e Vingeggaard que dificilmente serão esquecidos pelos amantes do ciclismo.

Para além dos dois protagonistas do costume, os destaque finais vão para os irmãos Yates: Adam, que apesar de ser o operário de Luxo de Pogacar terminou no podium e Simon, que graças a uma primeira semana de génio e uma terceira semana de resiliência e determinação conseguiu fazer quarto na geral.  

A performance de Carlos Rodriguez caiu na terceira semana, o que se traduziu numa descida de dois degraus na classificação geral, de terceiro para quinto, mas ainda assim e dada a sua juventude, ficou a promessa de dias felizes para o espanhol que a INEOS, inacreditavelmente, vai deixar sair para a Movistar, já na próxima época.

Uma palavra também para a despedida, que na 20ª etapa do tour foi realmente comovedora, de Thibaut Pinot, o francês que é famoso pelos títulos que nunca ganhou, mas que, pela sua candura, humildade e elegância é amado pelos franceses e admirado pelos fãs da modalidade, um pouco por toda a parte. 

Fiel ao seu estilo inconfundível, embora talvez ineficaz, Pinot subiu à penúltima montanha desse dia isolado na frente da corrida para saudar uma multidão em júbilo de incondicionais seguidores que lá o aguardava, só para terminar, trinta quilómetros mais à frente, em sexto na etapa. Não sendo a sua última prestação como profissional, este Tour foi o seu último, já que com 33 anos, o ciclista da Groupama-FDJ decidiu retirar-se no fim desta época.

 

De sublinhar ainda o título de Rei da Montanha conseguido pelo heróico Giulio Ciccone (só lhe falta agora garantir a camisola de melhor escalador na Vuelta para coleccionar a tripla coroa dos montanhistas) e o triunfo de Jasper Philipsen na classificação por pontos, que somou às 4 vitórias em etapas, confirmando que é sem grandes dúvidas o melhor sprinter da actualidade.

E assim se correu mais uma edição da prova primeira do ciclismo mundial, este ano especialmente bem desenhada pela organização, que nos ofereceu etapas quase sempre animadas e renhidamente disputadas, mesmo aquelas que, por serem mais planas e destinadas aos sprinters, costumam decorrer de forma um pouco mais aborrecida e previsível. Não houve mais que uma ou duas etapas desse género neste Tour.

Para o ano, Pogacar e Vingegaard, que têm agora duas vitórias cada, desempatam a disputa. Mal podemos esperar.