Embrulhado em mais um escândalo de corrupção (a rapaziada do Largo do Rato, mais que reincidente, parece ser refém da rotineira banditagem), António Costa demitiu-se. Fez bem. Mas não se percebe a euforia à direita e o histerismo à esquerda. O que é que vai mudar com o abandono deste cromo, na verdade repetido na interminável colecção de bonecos imprestáveis da Terceira República? Ou o Marcelo aceita o Santos Silva como supremo líder, ou convoca eleições que o PS ou o PSD vão ganhar, com a abstenção de meio país e a rejeição regimental do Chega.
Os poderes sociais, económicos e políticos que foram instituídos no país continuarão no país instituídos. Tranquilamente.
É só uma questão de moscas e assim sendo, qual é o drama?
Em
Portugal, recusamos perceber que o voto é irrelevante e que os nossos
destinos não dependem das decisões de S. Bento ou de Belém. Recusamos
perceber que os líderes que elegemos ou não elegemos são simples
criaditos dos burocratas de Bruxelas, dos senhores do universo de Wall
Street, dos codificadores de sistemas em Silicon Valley e dos tiranos
amadores de Davos. Recusamos perceber que entre o PS e o PSD e a
Iniciativa Liberal e o diabo que os carregue as diferenças são
gramaticais e não semânticas. Recusamos perceber que não nos é dada uma
mais que remota possibilidade de decidir sobre as nossas vidas e a
sociedade em que vivemos. Recusamos perceber que a maioria dos
portugueses nem sequer deseja essa responsabilidade.
Portugal é um país de sucessivos regimes corporativos desde as revoluções liberais do século XIX. Porque os portugueses gostam que tomem conta deles. Nesse aspecto, somos muito parecidos com os russos, outro povo colocado à margem da Europa.
Também aqui, a corrupção grassa desde sempre. O compadrio de interesses e conveniências é antigo como antigo é o país. O uso do serviço público como ferramenta de projecção social e prosperidade pessoal é velho como o bairro do Restelo.
Não há rigorosamente novidade nenhuma neste recente “escândalo”, eco de outros escândalos, reflexo do país que somos e que sempre fomos e que vamos continuar a ser, até que outros que não os portugueses decidam que Portugal já não se justifica.
E se a batalha pela liberdade, pelo direito constitucional e pela representação democrática já foi perdida em países que fundaram esses valores regimentais, como a Inglaterra, a França e os Estados Unidos, somos nós que vamos, aqui no fundo do autoclismo do mundo, mudar seja o que for?
Somos
nós, povo apático e obediente, pobre e conformista sobre a sua própria
miséria, que vamos salvar o Ocidente da distopia em que mergulhou
profundamente?
Somo nós, “nação valente” em que um militar que montou umas tendas para injectar terapias genéticas experimentais nos cidadãos é já o primeiro candidato a chefe-de-estado-que-se-segue, que vamos edificar esse o quinto-império que vai salvar o Ocidente do processo de auto-destruição em que está enfiado?
Nem que a Segunda Vinda de Cristo tivesse génese no Cais do Sodré.