quinta-feira, julho 11, 2024

A meio do Tour: Vingegaard recupera e encosta Pogacar a uma parede angulosa.

Este Tour tem sido atípico. Com um desenho no mínimo polémico, a competição alterna etapas que adormecem qualquer cocainómano com dias de fúria absolutamente espectaculares, como aqueles que aconteceram na vertiginosa etapa 4, no inferno de gravilha da etapa 9, ou no duelo de titãs de ontem.

Os últimos cinquenta quilómetros do 11º acto deste drama épico incluíam 4 subidas: a última, de terceira categoria, não apresentava grandes dificuldades, para além da exaustão, mas as 3 anteriores, duas de segunda categoria e uma de primeira, somavam mais de 14 quilómetros de escalada a uma média que ultrapassava os 8% de inclinação. Não sendo propriamente uma etapa de alta montanha, o desafio não deixava de ser hercúleo. 

Pogacar, claro, atacou no fim da montanha mais difícil, com um ímpeto tal que até assustou o seu companheiro de equipa, Adam Yates, que lhe antecedia a roda. O esloveno saiu disparado e Vingegaard olhou à sua volta para ver quem é que estava disposto a responder. Roglic e Evenpoel tentam, o dinamarquês segue-os, mas neste momento toda a gente estava a pensar que Pogacar ia, se não resolver aqui o Tour, pelo menos ganhar uma confortável almofada de vantagem sobre todos os adversários.

Toda a gente estava equivocada, porque, apesar da vantagem, no fim da descida do Puy Mary, ser de 35 segundos, na subida a seguir Vingeggaard ligou a central eléctrica que tem nas pernas, deixou Roglic e Evenpoel para trás e foi à caça do camisola amarela, com a determinação de um fox terrier e a potência de um pitbull.

Pogacar não podia acreditar no que estava a acontecer, quando no cimo do Col de Pertus constatou que tinha o dinamarquês na sua roda. Ainda sprintou com sucesso para os segundos de bonificação desse prémio de montanha, mas, 15 quilómetros mais à frente, completamente exausto e a pagar o preço do seu ataque desembestado a mais de 30 quilómetros do fim da etapa, não foi capaz de vencer o rival, que pela primeira vez na sua carreira (digo eu) ganhou uma etapa ao sprint.

Vingegaard, que há 3 meses atrás estava todo partido numa cama de um hospital no País Basco, fez mais do que vencer esta etapa. Encostou animicamente Pogacar à parede de uma casa dos bicos, ao demonstrar que está de regresso à sua forma de  alienígena e que pode bater o esloveno nas condições mais exigentes.

Pogacar continua com uma vantagem de 1'06 sobre Evenpoel e 1'14 sobre o dinamarquês, mas de ontem para hoje não deve ter dormido lá muito bem.

Entretanto, João Almeida, que parece ter aprendido com Ayuso a arte de fingir que trabalha para a equipa enquanto toma conta exclusiva de si próprio, subiu na geral e é agora quinto. Se tudo correr pelo melhor, e se os quatro magníficos que tem à frente não tiverem ataques de coração ou quedas dantescas, este é a melhor posição a que pode aspirar, embora tenha que contar com a feroz concorrência do líder da Ineos, Carlos Rodriguez, que está apenas a 20 segundos do ciclista das Caldas da Rainha. Se conseguir permanecer nesta posição, será um feito brutal. Mas qualquer classificação no top 10 é positiva para o João, desde que à frente dos seus companheiros de equipa na UAE, com excepção de Pogacar, obviamente.

Seja como for, o Tour, a meio do seu percurso, está completamente em aberto e até Evenepoel pode sonhar, considerando que ainda há um longo contra-relógio para resolver.