Os últimos cinquenta quilómetros do 11º acto deste drama épico incluíam 4 subidas: a última, de terceira categoria, não apresentava grandes dificuldades, para além da exaustão, mas as 3 anteriores, duas de segunda categoria e uma de primeira, somavam mais de 14 quilómetros de escalada a uma média que ultrapassava os 8% de inclinação. Não sendo propriamente uma etapa de alta montanha, o desafio não deixava de ser hercúleo.
Pogacar, claro, atacou no fim da montanha mais difícil, com um ímpeto tal que até assustou o seu companheiro de equipa, Adam Yates, que lhe antecedia a roda. O esloveno saiu disparado e Vingegaard olhou à sua volta para ver quem é que estava disposto a responder. Roglic e Evenpoel tentam, o dinamarquês segue-os, mas neste momento toda a gente estava a pensar que Pogacar ia, se não resolver aqui o Tour, pelo menos ganhar uma confortável almofada de vantagem sobre todos os adversários.
Toda a gente estava equivocada, porque, apesar da vantagem, no fim da descida do Puy Mary, ser de 35 segundos, na subida a seguir Vingeggaard ligou a central eléctrica que tem nas pernas, deixou Roglic e Evenpoel para trás e foi à caça do camisola amarela, com a determinação de um fox terrier e a potência de um pitbull.
Pogacar não podia acreditar no que estava a acontecer, quando no cimo do Col de Pertus constatou que tinha o dinamarquês na sua roda. Ainda sprintou com sucesso para os segundos de bonificação desse prémio de montanha, mas, 15 quilómetros mais à frente, completamente exausto e a pagar o preço do seu ataque desembestado a mais de 30 quilómetros do fim da etapa, não foi capaz de vencer o rival, que pela primeira vez na sua carreira (digo eu) ganhou uma etapa ao sprint.
Vingegaard, que há 3 meses atrás estava todo partido numa cama de um hospital no País Basco, fez mais do que vencer esta etapa. Encostou animicamente Pogacar à parede de uma casa dos bicos, ao demonstrar que está de regresso à sua forma de alienígena e que pode bater o esloveno nas condições mais exigentes.
Pogacar continua com uma vantagem de 1'06 sobre Evenpoel e 1'14 sobre o dinamarquês, mas de ontem para hoje não deve ter dormido lá muito bem.
Entretanto, João Almeida, que parece ter aprendido com Ayuso a arte de fingir que trabalha para a equipa enquanto toma conta exclusiva de si próprio, subiu na geral e é agora quinto. Se tudo correr pelo melhor, e se os quatro magníficos que tem à frente não tiverem ataques de coração ou quedas dantescas, este é a melhor posição a que pode aspirar, embora tenha que contar com a feroz concorrência do líder da Ineos, Carlos Rodriguez, que está apenas a 20 segundos do ciclista das Caldas da Rainha. Se conseguir permanecer nesta posição, será um feito brutal. Mas qualquer classificação no top 10 é positiva para o João, desde que à frente dos seus companheiros de equipa na UAE, com excepção de Pogacar, obviamente.
Seja como for, o Tour, a meio do seu percurso, está completamente em aberto e até Evenepoel pode sonhar, considerando que ainda há um longo contra-relógio para resolver.