Que seria de mim, se o Estado não me avisasse de que vai chover, em Outubro, durante 48 horas?
Que seria de mim se não fosse advertido da ventania? Seria, desafortunado e alado, subitamente arrastado para o inferno da ionosfera pela velocidade maluca do ar?
Fui, aterrorizado, ao IPMA, para ficar inteirado da tormenta de que ia ser vítima. Ei-la, em toda a sua violência:
Na sua máxima pressa, o vento vai soprar a 25 quilómetros por hora. Meu Deus, o horror. O perigo. A urgência. Vou já pregar tábuas nas janelas.
Obrigado, Estado, porque eu, que não sei usar um chapéu, uma gabardina ou um par de galochas, seria completamente afogado pela furiosa precipitação, e vertiginosamente atirado para fora de órbita pela ventania homérica. De facto, a gravidade dessa ocorrência é inimaginável para mim, cidadão sem imaginação apocalíptica.
Eu que, só por milagre, consegui sobreviver, solitário e desavisado, aos cinquenta invernos em que a Protecção Civil desconhecia o meu número de telefone, morreria, naufragado ou projectado, pela tempestade que não é mas podia ser.
Ainda assim, às três da manhã corro o risco impensável, cometo a irresponsabilidade terminal, a desobediência criminosa de levar a cadela à rua. Não sopra uma brisa. A meio caminho, chuvisca. Mas apesar de tudo, sobrevivemos ao temperamento irascível dos elementos, num passeio insano de 40 minutos.
Estou cansado mas não consigo sequer pensar em deitar-me. Vivo num terceiro andar e não quero ser apanhado a dormir, quando as águas subirem.
Agradeço ao Estado o cuidado que tem comigo (é como um pai para mim). Nas próximas eleições vou votar no senhor Montenegro. De tão grato que lhe estou.