terça-feira, setembro 04, 2012

Jornal de Letras | Julho/Agosto 2012

O Grande Livro das Coisas Horríveis - A Crónica Definitiva das 100 Maiores Atrocidades da História - Matthew White - Difel
Já disse o mais que tinha a dizer sobre esta pérola aqui, quando ainda ia a meio do livro. Resta-me só lamentar que um autor norte-americano pense que os norte-americanos são culpados (sozinhos ou em boa companhia) por 90% das coisas horríveis que se passaram no mundo desde a Segunda Guerra Mundial. Mathew White, que tanto procura ser objectivo - e é de facto objectivo até ao século XX - espalha-se ao comprido por causa do aparente ódio que sente pelo seu país. 
À parte disso, O Grande Livro das Coisas Horríveis é um calhamaço espectacular, que se lê como um romance de aventuras (escrito por Edgar Allan Poe).

Isaac Newton - James Gleick - Casa das Letras
Escrever biografias é uma arte que não está ao alcance de todas as penas. Escrever a biografia de Newton é, mesmo para os que alcançam esse virtuosismo e na maior parte dos casos, uma pretensão apenas. James Gleick, que até é dono de um prosar irrepreensível, caiu nesta armadilha e acaba por escrever uma espécie de ensaio como quem está a tentar escrever uma biografia a sério. O resultado inevitável, para o leitor, é um extremo desapontamento. Não sou um especialista, claro, mas acho que tem que haver mais (muito, muito mais) para dizer sobre a vida do maior génio científico da história da humanidade.

A Paixão de Schopenhauer - Christoph Poschenrieder - Saída de Emergência
De um romance que pretende ter como protagonistas Schopenhauer, Byron e Goethe, espera-se, pelo menos, alguns momentos poderosos. Infelizmente, não acontecem. E é tudo.

Fernando Pessoa - Uma Quase-Autobiografia - José Paulo Cavalcanti Filho - Porto Editora
Já me fartei de escrever sobre esta caricatura de biografia aqui, aqui, aqui, aqui e aqui.
No entretanto, tive direito a mais raw data completamente inútil, como por exemplo as receitas dos pratos favoritos do Fernandinho, como por exemplo as bebidas que preferia e as que o deixavam mais bêbado, como por exemplo a relação última e definitiva de todas as suas moradas, de todos os seus empregos e de todos os seus amigos. Como por exemplo qual era o lado para que o Fernandinho dormia melhor. Como por exemplo quais os personagens exibidos ou semi-ocultos na capa do Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band (!) e até mesmo os personagens que estavam para fazer parte dessa multidão, mas que acabaram por ficar fora do boneco.
Sobre a obra do Fernandinho, propriamente dita, em setecentas páginas de surreal estatística não se encontra uma análise, uma recensão, uma originalidade digna de ser mencionada. 
De qualquer forma, no meio desta salganhada de irrelevâncias, consegui divertir-me porque o Fernando Pessoa era um gajo divertido. Consegui emocionar-me, porque o Fernando Pessoa era um tipo emocionante. Consegui aprender porque o Fernando Pessoa foi um pedagogo do camandro. Consegui perder-me, porque o Fernando Pessoa é um labirinto com labirintos lá dentro que têm labirintos lá dentro. E, a propósito de labirintos, consegui ficar a saber que o grande Jorge Luís Borges se prontificou a ser mais um heterónimo - o argentino - do Fernandinho, através da edição de textos deste sob o nome daquele.
Uma última nota: todos os biógrafos de Pessoa (João Gaspar Simões, Robert Brechon e este Cavalcanti Filho) insistem que o Fernandinho era um alcoólico e um ocioso. Ora acontece que o Fernando Pessoa estudou, leu e escreveu, nos seus curtos 47 anos de existência, muito mais do que qualquer mortal com expectativa média de vida a rondar os 80 anos pode alguma vez imaginar, quanto mais realizar. Não me fodam. Os heterónimos - esses sim - beberam muito do absinto que o Fernandinho disse que bebia, lá nas tascas oníricas onde bebem os heterónimos. E os heterónimos - esses sim - tinham tempo para não fazer a ponta de um corno enquanto esperavam pela sua vez de brilhar. Porque não é simplesmente possível que a obra imensa que ficou para a posteridade seja produto de um bebedolas sem ética de trabalho.

Fernando Pessoa - Ensaio Interpretativo da Sua Pessoa e da Sua Obra - João Gaspar Simões - Texto Editores
Onze anos depois de ter escrito Vida e Obra de Fernando Pessoa, a primeira e referencial biografia do génio modernista, Gaspar Simões volta ao seu tema preferido e edita, em 1962, este ensaio brilhante, clarividente e profundo.
Como fundador da Presença, o biógrafo foi editor do biografado, para além de amigo e correspondente. Talvez por isso, mas não só por causa disso, aprende-se mais nestas 60 páginas de sensibilidade e erudição extremas, que nas incontáveis folhas de ponto do senhor Cavalcanti, Filho.

O Jovem Törless - Robert Musil - Círculo de Leitores
Romance psicológico por essência e definição - produto estereotípico da escola de Freud (Musil também era austríaco e distava cronologicamente de Freud uma geração apenas) - 
O Jovem Törless é um tesouro da literatura ocidental, que me escravizou o espírito durante os quatro ou cinco dias em que o estive a ler (não é só Basini - o desgraçado de serviço na novela - que é torturado - o leitor também é, num suave sado-masoquismo). 
A qualidade estratosférica desta obra não é de estranhar, já que o livro veio parar-me às mãos por gentileza deste senhor aqui
Proust não consegue muito melhor, num milhão e meio de palavras, que esta novela de  cento e cinquenta páginas. 
Este terá sido o meu campo de treino para O Homem Sem Qualidades, monumento literário que, escandalosamente, ainda não li.

A Possibilidade de Uma ilha - Michel Houellebeq - D. Quixote
Já tinha lido a "Extensão do Domínio da Luta" e não tinha gostado nada. Mas dei mais uma hipótese a este francês que está na moda, muito provavelmente porque o meu amigo Bruno Oliveira Santos - que é para mim uma espécie de mentor - manifestou surpresa quando lhe disse que já tinha lido a "Extensão do Domínio da Luta" e não tinha gostado nada. 
Continuo com muitas dúvidas, depois desta leitura. Há aqui qualquer coisa de excessivo que me desagrada neste rapaz. Há aqui qualquer coisa de vulgar que me desagrada neste rapaz. Este rapaz escreve sexo muitas vezes por página. Deve ser por causa da impotência que demonstra em escrever literatura. É preciso ser um Henry Miller ou um aristocrata francês decadente para resumir tudo à pulsão sexual e mesmo assim fazer literatura. É muito difícil. E este rapaz facilita imenso. Salva-se o conceito distópico, que é mais ou menos aceitável, e algum esclarecimento político e social. O resto é punheta.