quarta-feira, julho 21, 2004

A febre Scalex Tric: volta de aquecimento.


Lembro-me dos tempos paleolíticos em que era criança e construía longas rectas, só para atirar violentamente os carros contra a parede da varanda. Lembro-me de misturar o comboio eléctrico da Lego com a pista de automóveis, os soldadinhos da Timpo, os bonecos da Airfix, os castelos da Knex e o feltro do Subutteo. Lembro-me de não ter consciência de escala e preocupações de realismo. Lembro-me de me divertir à grande e a sós, no meu quarto de filho único, construíndo e destruíndo mais sonhos que apenas os meus (sim, destruindo também os sonhos dos outros). Todos contra todos, os meus brinquedos banhavam-se em gloriosa cosmogonia para meu deleite. Só para meu exclusivo prazer de deus ímpio, alegre e despreocupado, entornavam-se exércitos em rios de sangue, defrontavam-se grandes clubes do futebol europeu em chacinas de verde, amigavam-se mouros e peles vermelhas, cruzados e cowboys lutavam lado a lado contra o Afrik Corps, enquanto do quartel dos bombeiros da Lego Ville saía uma brigada para apagar o incêndio que teria deflagrado algures, na sala de jantar. Lembro-me de queimar - subtilmente - um dedo no motor de um carrinho de pista. Lembro-me de pensar que os motores de carrinhos de pista que aquecem ao ponto de me queimar - subtilmente - o dedo, são a coisa mais prodigiosa da criação toda. (cont.)